terça-feira, 26 de julho de 2011

Ensaio Analítico – Violência nas Relações Homoafetivas - Agressões a homossexuais

Contextualização

Acontecimentos envolvendo violência entre grupos que pregam intolerância a relacionamentos homoafetivos têm tomado grande espaço na agenda de discussões tanto na mídia quanto no poder público, o que justifica a relevância da apresentação do tema. Declarações polêmicas de representantes do Poder Legislativo (Deputado Federal Jair Bolsonaro e da Deputada Estadual Fluminense Myriam Rios, por exemplo) colocam opiniões preconceituosas e fomentam posicionamentos contrários à liberdade sexual.

As estatísticas disponíveis sobre agressões motivadas por intolerância devido à manifestação pública de opção sexual têm mostrado um aparente decréscimo nos últimos anos. De acordo com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, em 2002, foram registrados 126 casos; esse número saltou em 2004 para 157, mas voltou a cair para 78 casos em 20051. Entretanto, as informações são escassas e, invariavelmente, parciais para se estabelecer um estudo com conclusões mais precisas quanto ao tema.

Metodologicamente, não é possível atrelar de maneira precisa a causa da intolerância às agressões, devido tanto à falta de registros corretos, bem como, no caso de assassinatos, a constrangimentos familiares em admitir a opção sexual do ente falecido.

Em uma perspectiva mais ampla, a relação social entre indivíduos de opções sexuais distintas (que por certas vezes culmina em violência física) insere-se em um cenário maior, simbólico, no qual está incutida uma discriminação clara e disseminada em meios de comunicação e nas interações no dia a dia.

Linguagens da Violência

A violência praticada por grupos de intolerância é marcada por atrocidades, como manifestação de sua linguagem. Uma das explicações pode ser atribuída à tentativa de recuperar indivíduos, impondo de maneira contundente e “corretiva” comportamentos tidos como “adequados”, à luz dos valores destes grupos.

O sociólogo Antônio Celso Spagnol, do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo afirma: “Casos de extrema violência são típicos. Às vezes vejo no jornal 'sujeito morreu com 20 facadas, teve o crânio esmagado, ninguém sabe quem foi'. É praticamente certo que seja homossexual, pela extrema violência que o sujeito causa no outro”.

É a violência que WIEVIORKA chama de “expressão desumanizada do ódio, destruição do Outro, tende à barbárie dos purificadores étnicos ou dos erradicadores” (pág. 37)

Os atos violentos ultrapassam, portanto, sua forma em si; extrapolam a cena, como forma de comunicar à sociedade o ódio e a destruição de um modus vivendi e de opções contrárias às estabelecidas pelo que se julga correto. É esperado pelos autores que a lição exacerbada possa servir de mensagem para reparar comportamentos inadequados.

A violência física, por sua vez, é consequência de um processo de dominação simbólico, construído socialmente. O dominado, grupo minoritário, assume a lógica da dominação de uma sociedade majoritariamente heterossexual. Decorre da situação uma violência simbólica, que, muitas vezes, não se expressa nem é vivida necessariamente como violência física, mas nem por isso não significa que não seja uma experiência dolorosa. Segundo Bourdieu, “transforma-se o arbitrário cultural em natural” (BOURDIEU, 2002).

As vítimas das ações mobilizam-se através de movimentos sociais ou por meio de organizações do governo que buscam promover as diferenças na sociedade. Nesse sentido, o Estado por meio de sua legitimidade, cria órgãos de apoio para repressão e articulação com meios de comunicação como estratégias de coibir a violência e conscientizar a população.

Violência, História e Sentido

Segundo TOURAINE (apud WIEVIORKA, pág. 29), a violência contemporânea decorre de um quadro de conflitos definido pelo autor como “crise da modernidade”. Neste cenário, identidades comunitárias entram em desacordo com a racionalização das ciências e do mercado, causando situações de embates entre culturas e o sistema.

Assim, a violência praticada por grupos contrários a homossexuais apresenta-se como uma proteção de uma identidade coletiva compartilhada por esses grupos. Os atores buscam a construção de uma realidade racionalizada, afirmando valores colocados em risco pelo processo de modernização, o que poderia ser a composição de um pós-modernismo, que tenta retomar e reafirmar tais valores (WIEVIORKA, 1997, pág. 35)

Em consonância com Wieviorka, DAHRENDORF (1987) aponta a crise da modernidade como o embate entre a valorização da autonomia e liberdade individual versus uma sociedade repressora, de indivíduos amedrontados ou repressivos. “Buscávamos Rousseau e encontramos Hobbes” (DAHRENDORF, páginas 13 e 14). O Estado cria mecanismos de controle e contenção com o objetivo de tentar estabelecer uma ordem severa em prol de um ambiente menos hostil.

Entretanto, os métodos de repressão construídos pelo Estado não obtêm grande êxito, na medida em que a relidade contemporânea apresenta grande complexidade. WIEVIORKA afirma que a fragmentação cultural contribui para que a fórmula weberiana – o monopólio estatal da violência – apresente-se cada vez menos capaz de lidar com a realidade (pág. 19). “A primeira questão de segurança hoje não são as ambições de poder, é a pane dos Estados” (Delmas, 1995 – apud WIEVIORKA, 1997).

Ademais, a rápida disseminação de informações por toda parte do globo via internet (a “sociedade informacional”, retomando o conceito de Manuel Castells) permite que sejam articuladas pressões políticas para que países assegurem compromissos perante a comunidade internacional para a garantia de liberdades individuais. Nesse aspecto, WIEVIORKA chama a atenção para os fluxos mudiais de decisões, mercados, pessoas, capitais e informações, que enfraquece o poder do Estado individualmente perante todo o cenário internacional (pág. 18), uma vez que seu posicionamento tem que ser alinhado a ele.

Graves Violações de Direitos Humanos

O Relatório de Direitos Humanos de 2010 da Rede Social de Justiça aponta avanços nos projetos governamentais de inserção dos direitos dos grupos LGBT. Áreas como a saúde, promoção de ações não-discriminatórias e a igualdade jurídica são temas abordados e priorizados na agenda do poder público.

No aspecto eleitoral, a mobilização dos grupos versa no sentido da conscientização política para eleger candidatos identificados com reivindicações dos grupos.

Especificamente no campo das ações contra a violência, foi elaborada e encaminhada uma pauta pelos grupos LGBT para a Conferência Nacional de Segurança Pública elencando aspectos que devem ser considerados ao se estabelecer a política de segurança. Destacam-se elementos como treinamento específico a policiais no tratamento aos indivíduos deste grupo e adequação de carceragens para recebê-los.

A parada do Orgulho LGBT de São Paulo, no ano de 2011, contou com a presença de 3 milhões de participantes, segundo números da organização. O evento contou com o dobro do número de policiais do ano de 2010, bem como um aparato capaz de registrar crimes contra intolerância sexual. Tais fatores podem explicar a queda do número de ocorrências do evento, que pode ser considerado um dos maiores do mundo.

Conclusão

As organizações que representam os grupos homossexuais têm logrado importantes vitórias ao obter espaços no cenário democrático. Seus resultados, por meio da pressão no poder governamental para a definição de políticas públicas, revertem-se em respeito em adequação de práticas (policiais, por exemplo) e diminuição de agressividade (aumento do policiamento e proteção), principalmente.

Neste cenário, é fato que o Estado por si não se apresenta capaz de gerir os conflitos existentes em um ambiente plural. As representações dos grupos perante os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem ser marcantes para promover mudanças. A comunicação com grupos internacionais também é fundamental para tornar ainda mais efetiva a questão afirmativa dos grupos.


Bibliografia:

1- Nucleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP). São Paulo, 2007. Disponível em:

http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=189&Itemid=29
http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=162&Itemid=29
http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=215&Itemid=29

2- Relatório de Direitos Humanos – Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. São Paulo, 2010. Disponível em:
http://www.social.org.br/Direitos%20humanos10.pdf
 (página 173 – artigo de Leonardo Dall Evedove).

3- Propostas da 1ª Conferência LGBT para a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública
http://www.inesc.org.br/biblioteca/textos/seguranca-publica/Propostas%20LGBT_para%20CONSEG.pdf

4- Jornal Extra. São Paulo, 2009. Reportagem disponível em: http://extra.globo.com/noticias/brasil/policia-de-sp-confirma-atentado-bomba-durante-parada-gay-prende-sete-de-grupo-neonazista-207419.html

5- Site APOGLBT. Reportagem disponível em: http://www.paradasp.org.br/noticias.php?id=256

6- WIEVIORKA, Michel. “O novo paradigma da Violência”. Tempo Social; Revista de Sociologia da USP. São Paulo, 9(1): 5-41, maio de 1997.

7- DAHRENDORF, Ralf. “A Lei e a Ordem”, Instituto Tancredo Neves – 1987.

8- BOURDIEU, Pierre. “A Dominação Masculina”, tradução Maria Helena Kuhner – 2ª Edição – Rio de Janeiro – Editora Bertrand Brasil, 2002.

sábado, 18 de junho de 2011

Por que medir o Judiciário?

Qual é o sentido e onde se encontra base teórica que justifique a medição e avaliação de um órgão do Judiciário no cenário republicano e democrático?

O poder judiciário faz parte do jogo político do país. No Brasil, a atribuição do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição Federal concede-lhe a prerrogativa de julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) e, desta forma, participar das decisões em conjunto com os poderes Executivo e Legislativo. O Ministério Público, por sua vez, constrói seu papel no cenário democrático posicionando-se ao lado de movimentos sociais erigidos na década de 80, assumindo um papel de defensor da cidadania e agente da sociedade na fiscalização dos poderes políticos. Houve relevantes conquistas da instituição também com relação à proposição de Ações Civis Públicas (Lei da Ação Civil Pública de 1985) e a constituinte de 1987-1988 (ARANTES, 2002).
Tocqueville, ainda na década de 1830, já destacava a importância da participação do Judiciário ao acrescentar mais um ator ao cenário político e compor o sistema de freios e contrapesos para buscar estabelecer um equilíbrio entre os poderes. Diz o autor: “duvido (...) que a democracia possa governar muito tempo a sociedade e não poderia crer que hoje em dia uma república possa esperar e conservar a sua existência, se a influência dos juristas nos negócios públicos não crescesse em proporção ao poder do povo”. (TOCQUEVILLE, 1977, p. 205)
A definição moderna da forma de governo republicana, por sua vez, é caracterizada em grande medida pela presença de governantes, eleitos de maneira direta ou indireta, e órgãos representativos legitimados por leis que emanam do povo, as Constituições Federais (BOBBIO, 1998).
Nesse âmbito, uma vez sendo uma instituição legitimada em representar e defender os interesses da população, como o Legislativo e o Executivo, torna-se justo e coerente medir e avaliar o desempenho do Judiciário como prestador de serviços à sociedade. Como exposto, esta idéia encontra respaldo nas definições clássicas da forma e estrutura de governo existente. Justifica-se, portanto, a idéia do Projeto Meritíssimos, da ONG Transparência Brasil, ao estabelecer e aplicar uma metodologia de produtividade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. A organização apresenta seu trabalho caracterizando o país, sob o ponto de vista institucional, com eleições livres, um Congresso e um Judiciário independentes e todas as demais garantias constitucionais típicas das democracias representativas, mas acredita que as práticas do mundo real nem sempre refletem o arcabouço formal.
O diretor executivo da Organização Não-Governamental, Cláudio Weber Abramo, afirma em um de seus artigos sobre o Poder Judiciário “Já foi observado mais de uma vez que o sistema judiciário brasileiro tem sido pouco examinado. Seus procedimentos, eficiência, forças e vulnerabilidades têm permanecido quase sem escrutínio” e, embora o enfoque da ONG da qual é dirigente (Transparência Brasil) seja a corrupção das instituições e dos representantes políticos, complementa, sobre o Judiciário: “O interesse maior não seriam eventuais casos de corrupção, mas o funcionamento e eficiência desse poder republicano”.  Abramo salienta também para o fato de o Brasil ocupar a 88ª posição em um ranking de desempenho do Poder Judiciário que conta com a presença de 166 países, com avaliação semelhante a Suazilândia, Filipinas, Romênia, Senegal, Zimbabwe, Armênia, Bulgária, Cambodja, Djibuti, Lesoto, Costa do Marfim, Burkina Faso e Bolívia.


Bibliografia:
  1. TOCQUEVILLE, A. – “A Democracia na América”; tradução, prefácio e notas de Neil Ribeiro da Silva. 2ª Edição. Belo Horizonte. Editora Itatiaia – 1977.
  2. BOBBIO, Norberto, 1909 - Dicionário de política I Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino; trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. - Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1ª ed., 1998.
  3. ARANTES, Rogério Bastos – “Ministério Público e Política no Brasil” – São Paulo – Educ – Editora Sumaré: Fapesp, 2002.
  4. ABRAMO, Cláudio Weber. Artigo consultado na internet no site http://www.transparencia.org.br/docs/judiciario.pdf

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Max Weber e a Sustentabilidade

O modo de observar e interpretar fenômenos sociológicos utilizando-se do método weberiano continua surpreendentemente vivo e pulsante. A multicausalidade da ação social preconizada pelo autor há um século serve de base para uma rica análise de fatos sociais e seus desdobramentos. As motivações individuais que conduzem a ação são ordenadas por sistemas construídos vis-à-vis a realidade, levando-se em conta sua racionalidade, tradição ou afeto.
A onda mais atual, não só para os que zelam pela boa imagem de uma organização, mas também para um comportamento individual tido como ideal, responde pelo nome de sustentabilidade. Conceitualmente, em grandes linhas, ser sustentável significa adotar práticas que permitam a continuidade de ganhos econômicos buscando-se reduzir o comprometimento dos recursos (naturais e humanos). Na esfera empresarial, traduz-se na inserção no planejamento da organização de um posicionamento ponderado com questões sócio-ambientais, sem deixar de priorizar o lucro financeiro como resultado. Nesse cenário, portanto, as empresas incorporam em sua matriz estratégica um aspecto valorativo, que passa a ser um meio para continuar obtendo seu principal objetivo: ganhos financeiros. Passa a fazer parte do jogo o fato de, para sobreviver no mercado, as firmas necessitarem demonstrar que os aspectos meio-ambiente e sociedade fazem parte do rol de valores reconhecidos e exaltados. Em oposição a este cenário, as empresas que se envolvem com eventos danosos ao ambiente e de grande repercussão negativa logram perdas relevantes com relação a imagem e, conseqüentemente, ao resultado econômico. No capitalismo, Weber reconhece a tópica monocausal marxista, assume que a razão econômica é preponderante frente aos demais fatores, o que se mostra claro no mundo dos negócios.
Analogamente, e em consonância com as organizações, os indivíduos também adotam posturas incentivadas por essas novas diretrizes, através da incorporação de atos considerados mais condizentes ao seu cotidiano tendo em vista as mesmas preocupações. Há uma mudança de eixos essencial e tema da discussão deste artigo: as razões motivacionais da ação social, notadamente na aquisição de bens, passam a ter pesos diferentes. Tomada como uma ação sob a ótica weberiana, a escolha por uma marca desloca seu eixo da motivação racional ou tradicional (respectivamente preços mais baixos ou hábitos de consumo, por exemplo) a elementos ligados a valores. Em termos práticos, o mercado passa a comprar valores; a sustentabilidade os insere no mercado: meio-ambiente, sociedade e perenidade do modelo econômico tal qual existe.
O limite reside em saber em que medida os indivíduos estão dispostos a abrir mão de valores financeiros em prol de outros, intangíveis, mensuráveis ética e moralmente.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Democracia na América – Alexis de Tocqueville

Escrita na década de 1830, a Democracia na América, de Alexis de Tocqueville descreve as virtudes e defeitos do Estado Norte Americano à época. Trata-se de uma análise sobre a democracia representativa republicana e de suas formas particulares nos Estados Unidos. O autor especula sobre o futuro da democracia americana e seus perigos potenciais à democracia, assim como os perigos da democracia. Segundo Tocqueville, a democracia possui uma tendência a degenerar para o despotismo. Ele observa também que a religião deve ter um papel separado do governo, permitindo que o país seja laico, convenientemente às duas partes.
O autor traça uma análise conjuntural, considerando os atores, interesses e grupos sociais em choque. A democracia na América, segundo o autor, apresentou riscos potenciais: o despotismo popular, a ditadura da maioria e a ausência da liberdade intelectual – que poderia comprometer a gestão pública e ocasionar a queda do poder político. A obra também chama a atenção para a violência que pode haver entre os partidos políticos e o julgamento dos eleitos (teoricamente preparados) pelos eleitores (eventualmente não preparados).
Em contrapartida, apresenta algumas lacunas. O autor praticamente não menciona a pobreza nas grandes cidades. Pode-se considerar que à época, a pobreza não era considerada uma crise como o foi em tempos posteriores.
A obra de Tocqueville é freqüentemente aclamada por prever diversos acontecimentos tais como o debate sobre a abolição da escravatura, em que a América se dividiu durante a Guerra Civil; a emergência dos EUA e da Rússia como as duas superpotências do mundo, pendendo à bipolarização da Guerra Fria; e, de caráter mais relevante: a possibilidade apresentada de os cidadãos renunciarem à sua liberdade em benefício de uma maior igualdade, que se manifestou no século XX sob a forma de diferentes tipos de totalitarismos.
Na obra, o autor compara o estado de igualdade da sociedade americana, refletido na concepção de suas leis, vis a vis às condições do Estado francês, cujos direitos dos cidadãos são resultados de cem anos de revoluções (Burguesas, segundo Karl Marx), da Revolução Francesa (1789) à Comuna de Paris (1871). As revoluções são marcadas pela posse do poder por classes subalternas, que se tornam classes dominantes.
Segundo Tocqueville, para entender o mundo moderno e suas características (capitalismo, sociedade democrática), é necessário entender as revoluções pelas quais a Europa (notadamente a França) passou no século XVIII e XIX. A sociedade, para o autor, pode ser aristocrática ou democrática. A democratização, isto é, a conquista da liberdade, se deu neste período de revoluções. Elas representam os ápices dos processos históricos causadores da equalização/homogeneização dos indivíduos, ainda que permaneçam diferenças econômicas entre eles. Nesse período, cada vez menos se importa o nascimento; as pessoas passam a ocupar um mesmo patamar com relação aos seus direitos.
Raymond Aron, diz a respeito de Tocqueville “[para Tocqueville] a igualdade social significa a inexistência de diferenças hereditárias de condições; quer dizer que todas as ocupações, todas as profissões, dignidades e honrarias estão acessíveis a todos. Estão, portanto, implicadas na idéia de democracia a igualdade social e, também, a tendência para a uniformidade dos modelos e dos níveis de vida.”
Na França, o processo histórico marcado pelo feudalismo da Idade Média caracteriza-se pela posse de terras pela aristocracia (poder econômico e, conseqüentemente, poder político), que compunha a nobreza junto ao poder monárquico.
Os Estados Unidos da América, em contrapartida, nunca apresentaram tais diferenças na distribuição das propriedades, sendo partilhadas de maneira mais equânime entre os colonizadores. Sua constituição foi elaborada por emigrantes ingleses, intelectuais moldados ao ambiente político do final do século XVIII na Europa e reflete o fato dessa igualdade de condições na sociedade americana. Situação também suportada pela equidade dos emigrantes evidenciada, por exemplo, no protestantismo.
A sociedade presente no Novo Mundo não possuía, portanto, uma aristocracia, depositária da liberdade. Nesta realidade, pré-industrial, poder-se-ia desenvolver um empresariado empreendedor, que poderia sucumbir e renascer, com plena mobilidade social.

Tocqueville: “são portanto as associações que, nos povos democráticos devem assumir o local daqueles particulares poderosos que a igualdade de condições fez desaparecer”

Segundo Tocqueville, a liberdade não pode se fundamentar na desigualdade; deve assentar-se sobre a realidade democrática da igualdade de condições, garantida por instituições cujo modelo lhe parecia existir na América.
A concepção de liberdade para o autor assemelha-se à encontrada em Montesquieu, baseada na ausência de arbitrariedade – com a presença de leis – e na pluralidade de centros de decisões, de maneira que o poder absoluto não esteja nas mãos de um só.
No excerto, há referência clara à aristocracia rural existente na Europa (“particulares poderosos”) e que não se repetem na América. Os amplos espaços desocupados no novo continente permitiram sua exploração de maneira mais igualitária pelos imigrantes. Tal cenário não permitiu a construção dessa aristocracia.
Tocqueville também salienta o caráter federativo da Constituição Americana, na qual se combinam as vantagens dos grandes e pequenos Estados – o Estado deve ser suficientemente extenso para dispor da força necessária à sua segurança e pequeno o bastante para que sua legislação se adapte à diversidade das circunstâncias e dos meios.
Paralelamente à Constituição, o autor acrescenta dois outros aspectos que contribuem para assegurar a liberdade: a liberdade de associação e a utilização que se faz dessa liberdade, com a multiplicação de organização de voluntários. A possibilidade do agrupamento de certo número de cidadãos em organizações voluntárias para solucionar seus problemas é um fato que contribui para a liberdade da população. Em um país de estado social democrático, as associações fazem-se mais necessárias para impedir o despotismo dos partidos ou o arbítrio dos príncipes. Em sociedades com a presença de uma aristocracia, é natural haver esses grupos de controle, compostos pelos próprios aristocratas. A união de indivíduos em torno de um mesmo interesse também permite que grupos minoritários possuam voz para suas demandas.
Em consonância com este fato, há também a liberdade de imprensa, que deve existir, em detrimento a qualquer tipo de censura.

STEPAN, Alfred (1975) “Os militares na política”. Rio de Janeiro: Artenova. Páginas 101-154

O autor caracteriza a instituição militar como sendo um subsistema que reage às mudanças no cenário político e não um fator autônomo por si.
Como já abordado em discussões anteriores, o exército possuía um papel semelhante a um “poder moderador”, que garantia a aplicação das regras gerais do jogo político. No entanto, o período de crise entre 61 e 64 colocava essas próprias regras em xeque por partidos e políticos de esquerda, centro e direita.
Esta crise estrutural caracterizava-se por quatro grandes aspectos:
-     Crescimento de demandas reivindicatórias políticas e econômicas: fruto de uma sociedade que se tornava mais numerosa, mais urbanizada, e, conseqüentemente, apresentava maiores necessidades em termos de serviços públicos. Os direitos sociais obtidos na era Vargas deveriam ser abrangentes e eram pleiteados por todos. Paralelamente, o processo político agora contava com um número muito maior de eleitores.
-     Crise econômica: a garantia dos direitos sociais constitucionais aumenta o déficit público, causando um grande efeito inflacionário. A perda do poder de compra gera um conflito entre as classes média e trabalhadora. Somando-se a esses fatores, o modelo de substituição das importações chega ao limite, não sendo mais suficiente para estimular a produção industrial no país.
-     Falta de capacidade de converter as demandas sociais em programas de governo: o executivo não possui força política suficiente para transformar as reivindicações sociais em projetos, conseqüência da efemeridade das alianças políticas para a conquista do poder e sua não continuidade durante o período de governo. 
-     A crescente falta de confiança da sociedade civil no governo: tanto os agentes políticos de esquerda quanto os de direita acreditavam na inoperância do governo. O país estava à beira de uma guerra civil, concentrando os grupos de interesse para defesa de suas propriedades.
A experiência existente até 45 pressupunha que a tomada do poder pelos militares seria temporária e o regime seria reintegrado aos civis após o período de crise. No entanto, a sensação de que o governo não seria capaz de atender às demandas e que a legitimidade do regime estava degradada causou um conflito nas relações entre as classes civis e militares, forçando a tomada de poder em 64 durar mais tempo que se esperaria.
A falta de competência do governo (percebida institucionalmente), a crescente mobilização de movimentos sociais (motivados pela revolução cubana) e a apreensão quanto à dissolução das forças armadas (o que já havia ocorrido em outros países, por conta da criação de milícias populares) contribuíram para o aparecimento de uma ideologia nos militares brasileiros para a manutenção de sua existência.

NICOLAU, Jairo e POWER, Timothy (2007) – Instituições Representativas no Brasil

O SISTEMA ELEITORAL DE LISTA ABERTA NO BRASIL

Características: longevidade, magnitude e combinação com outros atributos do sistema eleitoral (grandes distritos eleitorais, possibilidade de coligações eleitorais, eleições simultâneas para outros cargos e distorção acentuada na representação dos Estados na Câmara dos Deputados.

Objetivo do autor: realizar uma análise sistemática do funcionamento do sistema de lista aberta no Brasil, particularmente nas eleições para a Câmara dos Deputados.
Etapas:
1- descrição da história e funcionamento do sistema de lista aberta em vigor no país: até 1962, a cédula ficava na cabina para escrever o nome do candidato, só a partir de então o TSE começou a fazer cédulas oficiais
Seleção de candidatos: quantidade até 1,5 vez da quantidade de cadeiras; há cotas por gênero; não pode concorrer por mais de um cargo nem por mais de um estado.
Estratégia: autonomia do candidato em organizar sua campanha; prestação de contas à justiça eleitoral independe do partido; distribuição de materiais de campanha; correlação de 0,5 entre tempo de aparição na TV e votação.

2- avaliação dos efeitos deste sistema em partidos, eleitores e relação dos deputados com as bases eleitorais
Preocupação central: saber se os sistemas eleitorais oferecem incentivos para que os candidatos ao Legislativo cultivem a reputação personalizada (centrada no indivíduo, sua história) ou a partidária (centrada no partido, posicionamento do partido).
Para fazer essa avaliação foram levadas em conta 3 características:
- o controle partidário para selecionar candidatos
- se os candidatos são eleitos individualmente ou precisam da votação dos colegas de partido
- se o voto é único/intrapartidário/múltiplo ou partidário

A lista aberta afeta os partidos por estimular a competição entre os membros de uma mesma legenda.
A competitividade entre os candidatos é analisada na reeleição. A perda ocorre em duas razões: ou por falha do partido ou por falha do candidato. A falha é do partido quando não há nome novo na lista final dos eleitos para aquele partido (todos se reelegeram), ou se não houve eleições pelo partido. A falha é do candidato quando o partido elege um novo nome e ele fica de fora.
Efeitos sobre os eleitores: identificação pessoal com o candidato + identificação com o partido
Campanhas centradas em candidatos, e não em partidos, têm como resposta o alto peso da reputação pessoal e baixo peso da reputação partidária na escolha do eleitor. Mais de 90% votam no candidato e não no partido.
Relação dos deputados com sua base eleitoral: o deputado tem incentivos para desenvolver atividades que o diferenciem de seus colegas, sobretudo por meio de atendimento de demandas específicas.
Deputados federais no Brasil: prestação de contas com a base eleitoral, tipo de ambição na carreira, especialização parlamentar e vínculo com determinados grupos de interesse. Dentro das atividades com mais repercussão estão 1) ação junto aos municípios eleitores 2) atividade na câmara dos deputados 3) presença na mídia 4) patronagem 5) outros


3- discussão da teoria democrática: capacidade que o sistema representativo oferece para os eleitores punirem ou recompensarem os legisladores por intermédio do voto
Acompanhamento do candidato pelo eleitor: accountability model.
Premissas: 1) eleitor se lembra em quem votou 2) candidato seja eleito 3) eleitor acompanha a atividade do representante
Pesquisas indicam que apenas 15% dos eleitores se lembram em quem votou.
Outra saída é verificar se o eleitor acompanha algum representante eleito, com atividade (independente se tenha votado nele ou não).
O autor conclui que a grande maioria dos eleitores faz suas escolhas a partir de apelos eleitorais que não estão associados a um julgamento do mandato.

KINZO, Maria D’Alva (2004) – “Partidos, eleições e democracias no Brasil pós-1985”

Somente a existência continuada de uma situação democrática é que torna possível a consolidação das instituições: PARTIDOS e ELEIÇÕES.
A penas sua existência nada garante, p. ex., durante o período ditatorial 64-85, eles não foram suprimidos.
Em que medida o contexto democrático em vigor desde 85 tem contribuído para a consolidação dos partidos, do sistema partidário e da democracia?
Democracia (Schumpeter): aspecto procedimental, prioriza a capacidade analítica e empírica do conceito de identificar no sistema político um método específico de organização, baseado em regras e procedimentos que garantam a escolha de líderes por meio da competição política e da livre participação popular.

Dahl: Poliarquia – participação (inclusão) + contestação (concorrência)
Eleições: alternância de maiorias no poder; representatividade (legislativo expressa diversidade); responsividade (respostas às demandas sociais e prestação de contas)
Partidos políticos – arena eleitoral (competição pelo apoio dos eleitores) e arena decisória (formulação de políticas públicas e negociação política)
Através dos partidos, os cidadãos têm acesso à arena política (decisória)

Evolução dos partidos:
1- estruturação da disputa eleitoral: definir e diferenciar as opções do eleitor – criação de identidade política
2- mobilização do eleitorado para o pleito

Início dos anos 80: abertura – contestação expressa por movimentos como o PT e MST.

Desde o estabelecimento do governo civil em 85, o Brasil confrontou-se com uma sucessão de problemas econômicos e políticos graves, como a hiperinflação, os diversos choques econômicos, elevadas taxas de desemprego, escândalos de corrupção e até o impeachment de um presidente. A inexistência de qualquer tentativa de responder a essas crises ultrapassando os limites da ordem constitucional revela uma maior aceitação e a consolidação das regras democráticas.
As condições fundamentais para o funcionamento de um sistema democrático representativo estão instauradas.

O funcionamento das instituições e dos mecanismos democrático-representativos tem assegurado que os representantes sejam um retrato da sociedade? Os governantes tem agido para atender às demandas públicas e prestar contas?
Há representatividade: minorias representadas nacional e estadualmente. Estados representados proporcionalmente.
O problema da democracia brasileira está na responsividade: não há um grau adequado de accountability.
A autora acha que não há esforço para melhorar a inteligibilidade do processo eleitoral e que é muito complexo (cargos, esferas).
O conjunto desses fatores impede uma accountability vertical efetiva, produzindo uma situação que tende a distanciar os eleitores de seus representantes.
A inclusão/mobilização no Brasil ocorreu antes de 85 e aumentou bastante na década de 90 com o uso da urna eletrônica.
Fragmentação: a fragmentação do sistema partidário não seria um problema para o funcionamento da democracia caso não afetasse a inteligibilidade do processo eleitoral, isto é, a capacidade de o sistema produzir opções claras para os eleitores, permitindo-lhes escolher com base em seu conhecimento sobre os partidos ou sua identidade com eles. No entanto, a autora reitera que o problema é a inteligibilidade do processo eleitoral o problema.
Os competidores do jogo eleitoral não são os partidos como unidades diferenciadas, mas candidatos e coligações formadas por diversos partidos, não raro de diferentes orientações ideológicas.
A prática da coligação se torna necessária em virtude da fragmentação do sistema partidário. Isso faz com que o sistema permaneça fragmentado, já que é permitido aos partidos e aos políticos formarem tais alianças. As estratégias eleitorais são construídas de forma a obter o melhor resultado no contexto institucional em que os políticos operam.
Torna-se difícil para o eleitor identificar e distinguir os partidos em disputa: são muitos os partidos, muitas as alianças eleitorais, cuja composição varia de um local para outro e de uma eleição para outra. A disputa eleitoral põe em evidência muito mais os candidatos que os partidos.
Ainda não se estabeleceu no Brasil um padrão definitivo de apoio partidário. O sistema partidário brasileiro está distante de uma consolidação.
Conclusão: enquanto o país galgou grande evolução quanto aos conceitos democráticos, a autora crê que ainda há melhoras necessárias ao sistema partidário-eleitoral. Ela ainda ressalta que o quadro demonstra que a existência de sistemas partidários pouco consolidados não necessariamente resulta em democracias não consolidadas.

NICOLAU, Jairo e SCHMITT, Rogério (1995) – “Sistema Eleitoral e Sistema Partidário” – págs. 129-147

O autor traz à tona um senso comum da análise política do Brasil: a de que o sistema eleitoral é a causa da fragmentação política. Trata-se de uma leitura simplificada e que Jairo Nicolau discorda.

Baseamento: Leis de Duverger
1- Sistemas majoritários com turno único tendem ao dualismo dos partidos
2- Sistemas majoritários de dois turnos e representação proporcional tendem ao multipartidarismo

Efeitos de Duverger:
1- Mecânico (EM) – sub-representar partidos pequenos e sobre-representar os grandes
2- Psicológico (EP) – eleitores votam em grandes partidos para não desperdiçar o voto – determina estratégias eleitorais de coalizão (EP precisa de pelo menos duas eleições para ocorrer)
O efeito mecânico afeta as cadeiras; o psicológico, o voto.

- Aumento EP – baixa de número de partidos eleitorais efetivos
- Baixa do número de partidos eleitorais efetivos – aumenta EP e EM

EP está muito ligado a pesquisas eleitorais.

EP e EM em um sistema majoritário de 1 turno com bipartidarismo causa um bipartidarismo distrital.

Passagem do bipartidarismo distrital para o nacional: causas extra-eleitorais: centralização, nacionalização dos partidos, distribuição geográfica do voto, clivagens sociais, sistemas partidários estruturados

Melhor cenário: bipartidarismo nacional com um terceiro partido espalhado

Não é a representação proporcional que produz o multipartidarismo, mas um sistema eleitoral majoritário favorece sobremaneira o bipartidarismo.
Quando o multipartidarismo é visto simples e inevitavelmente como efeito da representação proporcional, para reduzir a fragmentação partidária, a melhor opção é propor o fim da representação proporcional.

Fórmula eleitoral e cláusula de exclusão: favorecimento dos partidos mais votados (o que reforça a tese do sistema eleitoral não favorecer o multipartidarismo), a consideração dos votos brancos na contagem cria uma barreira que dificulta ainda mais o surgimento de pequenos partidos.

Quanto maior a Magnitude do distrito eleitoral, em um sistema de representação proporcional, menor é o efeito mecânico e maior é a tendência de os partidos receberem proporcionalmente as cadeiras (quanto maior o número de eleitores, percentualmente é mais representativa a votação a ponto de destinar cadeiras aos menos votados).
A variação da magnitude dos vários distritos de um país é quesito fundamental para a compreensão dos eleitos finais (nacionais) de um sistema eleitoral.

Lista aberta: os nomes que compõem a lista são escolhidos pelos dirigentes partidários; os candidatos estruturam suas campanhas com autonomia com relação ao partido; a bancada composta por um partido é resultado da votação de vários candidatos; o sucesso eleitoral de um partido tem relação direta com a presença de candidatos competitivos; a forma de intervenção dos dirigentes partidários é investir em “puxadores de legenda”, oferecendo-lhes mais recursos e tempo de exposição na TV.

Resultados/conseqüências do sistema de lista aberta: campanhas individualizadas e baixo poder dos partidos com relação ao eleitorado para definir a ordem na lista.
Não existe nenhuma relação entre a lista aberta e o incentivo ao multipartidarismo.

Conclusão: o sistema brasileiro não favorece os menores partidos, o que teria de ocorrer para uma fragmentação partidária. Se a fragmentação partidária é um fato, outras causas devem ser buscadas, em outras esferas do sistema político. 

FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando (2007). “Instituições Políticas e Governabilidade. Desempenho do governo e apoio legislativo na democracia brasileira” in MELO, Carlos R. & SAEZ, Manuel A. A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG.

O texto remete a uma análise de duas experiências aparentemente semelhantes no Brasil, em termos de liberdades democráticas: o período de 1946 a 1964 e o pós-1988. Traça-se um panorama dos desdobramentos e conseqüências das constituições federais promulgadas em 1946 e 1988. A principal semelhança pode ser identificada pela manutenção do sistema eleitoral proporcional com lista aberta. Quanto às diferenças, os autores alertam para o fato de a carta magna mais recente, em detrimento da anterior, privilegiar a fragmentação institucional (interesses no jogo político nacional), fortalecer o federalismo através da dotação de autonomia orçamentária e fiscal para os Estados e, principalmente, atribuir um poder mais concentrado no Executivo. Há correntes de pesquisas em Ciência Política que afirmam haver problemas no excesso de força do presidente, pois pode haver imposições e não cooperação entre o poder legislativo e executivo, gerando conflitos institucionais. FIGUEIREDO e LIMONGI, no entanto, discordam. Invariavelmente o regime no Brasil se caracteriza por um governo de coalizão majoritária, em um sistema multipartidário. O executivo possui um forte poder legislativo (não só por conta da maioria na câmara dos deputados, obtida através de alianças, mas também pelo poder de sancionar Medidas Provisórias) e grande influência na proposição da agenda (em coordenação com os líderes partidários e instituições). Assim, o governo trabalha como se houvesse uma fusão entre os poderes executivo, na figura do presidente, e legislativo, representado pelos líderes dos partidos da coalizão.
Ainda que os modelos das duas épocas apresentem similaridades na forma do relacionamento institucional, os dois momentos do presidencialismo demonstram possuir grandes diferenças. A ampliação de poderes do executivo, articulado com líderes partidários da aliança governamental do parlamento, é o principal aspecto que marca essa disparidade.
Em outra oportunidade, FIGUEIREDO e LIMONGI mostram que 89,4% do plenário vota de acordo com a orientação de seu líder. Das leis aprovadas de 88 a 98, 85,2% foram propostas pelo Executivo e a probabilidade de uma proposta do Executivo ser rejeitada em plenário é de 0,026. A fragmentação e falta de apoio legislativo, por sua vez, emperraram a implementação de agenda de José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco.*
Comparando-se as regras que regem o modelo decisório, percebe-se que a Constituição de 1988 concede ao Executivo poderes legislativos mais abrangentes que os existentes em 1946. O caso que mais se destaca é a Medida Provisória, que é exclusiva do presidente e possui vigência imediata à sua publicação. Nesse sentido, ela preserva a união do executivo e dos partidos que compõem a coalizão. Outro aspecto que se salienta é a centralização do Congresso Nacional, ou seja, a ampliação dos direitos dos líderes partidários na Câmara no que diz respeito à determinação da agenda do plenário, conduções das votações e a composição das comissões para analisar MPs e o orçamento. Os líderes também podem representar as bancadas assinando petições em nome de todos os seus membros. Uma característica decorrente deste fato é a importância assumida pela bancada em detrimento de interesses e posicionamentos individuais na câmara.
Observa-se também que o período compreendido entre 1946 e 1964, ainda que os governos possuíssem maioria parlamentar, o índice de sucesso das medidas propostas pelo executivo não chegou à metade. No pós-88, o pior desempenho é atribuído ao governo Collor, que possuía apenas um terço de apoio do congresso, mas ainda assim logrou 65% de êxito. A explicação a este fenômeno pode ser dada pelo controle da agenda do legislativo pelo executivo, através do modelo de coalizão. Segundo os autores do texto “o que muda no país muda por iniciativa do executivo” (pág. 158). Este modus operandi, no entanto, possui uma contradição: este controle é típico de governos parlamentaristas. Em um governo presidencialista, por excelência, a prerrogativa do chefe de Estado é a escolha do ministério enquanto que a do parlamento é a de propor leis. O fenômeno, entretanto, também tem ocorrido mundialmente, os executivos têm obtido poderes legislativos mais abrangentes no que se refere a pontos importantes do plano de atuação do governo.
Uma marca recorrente do pós-88 e notadamente dos governos Itamar Franco e FHC foi a utilização de MPs para implementar as medidas de estabilização econômica do país: “O congresso delegou ao Executivo a direção da economia” (pág. 164). Este subterfúgio foi muito útil, uma vez que permitia ações de rápido estabelecimento, tão necessário no âmbito econômico.

No modelo de coalizão, a obtenção do apoio político e sua manutenção se dão pela distribuição aos partidos políticos de cargos estratégicos no governo, nos ministérios. Quanto maior o potencial de repercussão nacional do trabalho da pasta ministerial, maior seu valor político. Novamente, trata-se de uma característica típica do parlamentarismo, no qual o primeiro ministro realiza essa definição de cargos.

Conclui-se que, apesar de por um lado os partidos políticos no Brasil serem fracos, no que tange a lista aberta e a necessidade de se garantirem por um candidato de peso, por exemplo, são fortes institucionalmente na construção das coalizões e representam atores decisivos no processo legislativo na medida em que encabeçam as bancadas responsáveis por votar as propostas de leis.
As alianças realizadas pelo governo com os partidos da base de apoio permitem que não haja uma paralisia decisória. Além disso, é de se esperar a implementação de todo o programa de governo previsto uma vez que as propostas de leis são majoritariamente feitas pelo executivo e aprovadas em sua grande maioria sem grandes problemas pela Câmara.
Apesar de haver ajustes necessários, os autores do texto acreditam que o modelo de governo existente no Brasil não pode ser considerado ruim. As falhas apontadas por alguns críticos, tal como o excesso de partidos, são questionáveis e comprovadamente contornáveis.

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* LIMONGI, F. e FIGUEIREDO, A. – Bases Institucionais do Presidencialismo de Coalizão – Lua Nova nº 44 – 1998 – págs. 83, 84 e 87.

LAMOUNIER, Bolivar (1992) “Estrutura Institucional e Governabilidade na década de 90” in Reis Velloso, João Paulo dos (org.). O Brasil e as Reformas Políticas. Rio de Janeiro: José Olympio.

O autor caracteriza o desordenado processo de formação sócio-econômica do Brasil e o aponta como causa das diferenças sociais existente nos dias atuais. Os ideais democráticos construídos na década de 80 encontram, na década de 90, desafios decorrentes de uma modernização acelerada, que constituem um risco à governabilidade. Essas mudanças e transformações remetem, para LAMOUNIER, ao conceito de democracia consociativa de LIJPHART. Segundo este, trata-se de uma característica das sociedades pluralistas, nas quais há profundas divisões religiosas, étnicas, lingüísticas e “ideológicas”, em torno das quais se estruturam as diversas organizações políticas e sociais, como os partidos, os grupos de interesse e os meios de comunicação. Tais segmentações podem gerar um tipo de compromisso político-democrático, interferindo sobremaneira na direção do Estado. Esses enlaces podem acabar por comprometer formações de governo mais abrangentes e estáveis, que poderiam trazer caminhos para um possível viés da gestão pública no sentido da redução das desigualdades no país. O autor atenta que um fortalecimento do Executivo, por meio do apoio popular e uma conseqüente redução dessa fragmentação, gera uma fixação decisória que pode mitigar riscos de uma sociedade com interesses plurais. As inevitáveis alianças políticas realizadas por pretendentes ao poder certamente geram compromissos com grupos e suas convicções. Outro reflexo do consociativismo é a criação de dispositivos para proteger e defender os interesses de grupos minoritários. O Brasil, de estrutura patriarcal e oligárquica, exageradamente mergulhado nessa democracia consociativa, para LAMOUNIER, pode proporcionar no jogo político o que o autor chama de poliarquia reversa, instável e com alta propensão a ingovernabilidade, tantos e tamanhos são os vetores de interesses e ideologias que guiam os atos de governo.
Há nações que tradicionalmente e historicamente apresentam uma estrutura de poderes que permite que as minorias possuam poder de voto e de veto (Bélgica e Holanda, por exemplo). No Brasil, no entanto, a participação de grupos minoritários nunca foi uma prioridade, apesar de haver um aparato que garanta sua participação (como o pluripartidarismo, o sistema eleitoral com representação proporcional e os ministérios multipartidários). É este contra-senso que pode fornecer poderes políticos a determinadas classes, em detrimento de eventuais interesses coletivos maiores. “(...) delineou-se no Congresso, de maneira informal e provavelmente inconsciente, o que se poderia chamar de um modelo paritário de representação, no qual a autoridade pessoal de um parlamentar ou a especial representatividade de uma corrente às vezes preponderava sobre o número de votos teoricamente mobilizável em favor do interesse oposto” (p. 32)
O modelo consociativo brasileiro desenvolveu-se a partir de três elementos distintos: o corporativismo (via criação das Leis do Trabalho, principalmente), a acomodação consociativa (baseada em ideais liberais) e a transformação do presidencialismo oligárquico da República Velha no presidencialismo plebiscitário.
A partir de 1930, a criação de um sistema eleitoral pluripartidário permitiu o convívio de interesses distintos da elite. DAHL caracteriza tal fenômeno como ‘contestação pacífica’, pois abre espaço a reivindicações díspares, promovendo a participação política de partes interessadas dotadas de poder econômico.
Historicamente, a promoção do consociativismo - traduzido como liberdade partidária e de opinião - logra crescimentos como um valor social, notadamente em três períodos (não ditatoriais): na década de 30, em oposição à alternância oligárquica da Velha República; no pós-Estado Novo (1945 a 1964), contrapondo-se ao modelo Varguista; e na década de 80, em contestação à ditadura militar (período durante o qual havia um bipartidarismo).
Nesse cenário, a presidência plebiscitária surge como meio para unir e gerir interesses distintos. A primeira experiência fora com Getúlio Vargas, na década de 30, que buscou afirmar seu poder pessoal e se contrapor ao comunismo e ao liberalismo exacerbado, ideologias inimigas, à época. “É a visão do presidente da República como um grande estabilizador: a força poderosa que irá deter e disciplinar os particularismos; e ao mesmo tempo, o desestabilizador construtivo, que indicará a direção e ditará o ritmo das grandes reformas sociais, vencendo resistências e mobilizando o apoio necessário à consolidação dos avanços” (p. 40).
O grande contraponto a este modelo é que o chefe do executivo normalmente não possui maioria parlamentar que garanta a governabilidade e estabilidade política. Prova disso é a quantidade de presidentes eleitos via voto popular que conseguiram terminar seu mandato até a Constituinte de 1988: Eurico Gaspar Dutra e Juscelino Kubitschek. E apenas Ernesto Geisel conseguiu eleger seu sucessor. Normalmente crises econômicas afetam sensivelmente a popularidade do presidente, fazendo com que ele perca apoio plebiscitário.
LAMOUNIER conclui, portanto, que, para reduzir o risco da falta de governabilidade gerada pelo pluralismo de uma democracia consociativa, os modelos eleitoral e partidário devem ser reformados. O presidencialismo tal qual existe necessita da formação consolidada de uma base parlamentar que lhe sirva como apoio para execução de seu plano de governo. São necessários contrapesos institucionais para que isso ocorra.

MARTINS, Carlos Estevão e CRUZ, Sebastião Velasco (1983) – De Castello a Figueiredo: uma incursão na pré-história da abertura – págs. 13-61

As principais características do governo pós-64 apontadas pelo autor são a durabilidade (18 anos no poder), a manutenção do poder por um setor (a oposição em nenhum momento sequer ameaçou) e a mutabilidade (entre Estado de exceção e Estado de Direito).
O que dura é a coalizão que assumiu o poder em 64 e o que muda é a forma do Estado (quem e como governa). Talvez tenha sido isso que permitiu tanto tempo de ditadura.
As mudanças não permitiram que fosse construída uma estrutura institucional que impusesse o autoritarismo de maneira sistemática. Mas houve, sim, períodos autoritários e práticas violentas, em menor medida que no Chile e Argentina. Sempre sob a desculpa da “necessidade”.
Houve no Brasil, mais que um regime autoritário, uma situação autoritária.
Há arranjos no Brasil que foram efêmeros e não conseguiram se estabilizar: autoritarismo, militarismo, corporativismo, liberalismo e democracia. Não há uma ordem estabelecida, mas sim instabilidade.

Premissas:
- A intensificação do autoritarismo não é decorrência direta do golpe de 64. Há inúmeros outros processos que ocorrem paralelamente. Por exemplo, o comunismo como um risco real.
- Não há bons ou maus na história: aspectos positivos não podem ser creditados à oposição nem negativos à ditadura. Todos fazem parte do processo político.
- Faz-se necessário levar em conta o cenário no qual se deu o golpe de 64: o desenvolvimento da social-democracia como ideologia, a participação do Estado na produção de mais-valia e na reprodução da força de trabalho, exigem que as esferas públicas e privadas sejam modificadas, assim como os mecanismos institucionais e ideológicos que se articulam entre si. O capitalismo passa por radicais mudanças: a proliferação dos meios de comunicação eletrônicos, a discussão pelos direitos sociais, a segurança do Estado, etc. enfraquecem partidos políticos, parlamentos e direitos políticos.

O golpe não deu certo em 61 porque faltava apoio político das mais diversas alas da sociedade. O erro fora reparado em 64.
Ideologicamente, o grupo que assume em 64 pode ser classificado como “sorbonista”, isto é, anti-varguista (raízes de 32) e a aliada com os EUA contra o fascismo na segunda guerra. Eles transmitiam uma possibilidade de transcender ao simples golpe e se configurar positivamente como um redirecionamento modernizador, para abandonar os rumos da revolução de 30 em direção a um novo ciclo na história.
Havia, no entanto, um problema difícil de se resolver: atender os diferentes interesses que permitiram o golpe. A coalizão vitoriosa não era apenas heterogênea, mas contraditória e incapaz de unificar setores dominantes.
A CF de 46 fora mantida. Nesse momento também não foram afetados a liberdade de imprensa, associações representativas, partidos políticos, calendário eleitoral e Congresso Nacional.
O ideal sorbonista era o de promover, via integração institucional o modelo de civilização realizado pelos países centrais capitalistas. Um regime liberal-democrático precisaria possuir 3 virtudes:
- agilidade nos processos decisórios
- capacidade de garantir ameaças de subversão da ordem
- garantir aos partidos políticos o direito efetivo de se alternarem no poder mediante livre disputa eleitoral

De 46 a 64, a UDN não pode fazer frente aos demais partidos (PSP, PTB e PSD). Assim Castelo Branco promoveu uma série de reformas para corrigir este fato:
- no plano político-partidário: destruir as fontes de alimentação das práticas clientelistas que bloqueavam a alternância no poder. Isto é, fechar as portas do tesouro e dos empregos públicos que o estado cartorial franqueava aos dirigentes do PSP e do PSD.
- no plano econômico: a proposta da reforma agrária, por meio do imposto territorial progressivo. Formação de uma nova pequena burguesia agrária para atingir os currais eleitorais do PSP.
- no plano trabalhista: universalização do direito de acesso aos benefícios proporcionados pelo sistema e unificação administrativa e abolição do conceito de representação classista na gestão dos órgãos assistenciais e previdenciários. Ou seja, alterar toda a estrutura de relação entre os sindicatos e a Previdência Social e o Ministério do Trabalho. Assim, haveria um enfraquecimento do PTB.
O trabalho não era fácil, pois havia muitos setores para serem articulados em prol desses objetivos.
O ato institucional que cassava os direitos políticos de alguns teria período limitado. Castello Branco se recusou a prorrogar a vigência do arbítrio. O presidente valeu-se do tempo que lhe restava à frente do governo para elaborar uma nova CF. Seus dispositivos, mais ajustados ao Estado contemporâneo, evitariam os impasses atribuídos à carta de 46. Houve a nova lei de imprensa (lei de segurança nacional, de março de 67, por exemplo).
A consideração do período CB é determinante para a análise do regime autoritário no Brasil, não só porque nele estão postos quase todos os elementos que, exacerbados em seu grau máximo nos anos seguintes, confirmariam a conjuntura que veio a desaguar na crise de 68, com a edição do AI5. Mas também porque nele já está claramente colocado o dilema que perpassa toda a história desse regime, até nossos dias de cinzenta abertura. O processo político possui outros dois aspectos relevantes: o papel das oposições e as contradições que havia no processo sorbonista.
A oposição continua adotando os mesmos expedientes desde 64, anacrônicos frente a toda a mudança ocorrida. Exemplo é a volta de JK de Paris e seu desfile em carreata, que o fez depor por atitude subversiva.

CARVALHO, José Murilo - A Cidadania no Brasil

Como em 1937, o rápido aumento da participação política levou em 1964 a uma reação defensiva e à imposição de mais um regime ditatorial em que os direitos civis e políticos foram restringidos pela violência. Os dois períodos se assemelham ainda pela ênfase dada aos direitos sociais, agora estendidos aos trabalhadores rurais, e pela forte atuação do Estado na promoção do desenvolvimento econômico. Pelo lado político, a diferença entre eles foi a manutenção do funcionamento do Congresso e a realização das eleições no regime implantado em 1964.

3 fases do Governo Militar:
1964 a 1968 (gov. Castello Branco e 1º ano de Costa e Silva) – início com intensa atividade repressiva com períodos de abrandamento. Economia: combate à inflação, forte queda no salário mínimo e pequeno crescimento, sendo retomado em ritmo mais acelerado em 68. Domínio dos setores mais liberais das forças armadas.
1968 a 1974 (gov. Médici) – alto crescimento econômico, decréscimo do salário mínimo, grande repressão política.
1974 a 1985 (gov. Geisel e Figueiredo) – abertura do sistema, cessa a repressão, crise econômica (petróleo em 1973), com reflexos na década de 80.

A Nova Ditadura (1964 – 1974)
A participação dos militares no poder foi motivada pelo receio ideológico de eles serem expurgados. A associação com o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) os aproximou aos empresários na luta contra o comunismo.
A repressão se concentrou em dois momentos: 1964 e 1965 e entre 1968 e 1974.
AI2 (1965): aboliu a eleição para presidente, dissolveu os partidos políticos e estabeleceu o bipartidarismo (Arena e MDB), deu poderes ao presidente de dissolver o parlamento, intervir nos estados, decretar estado de sítio, demitir funcionários civis e militares.
1968 – AI5 – fechamento do congresso, passando o governo a ser uma ditadura de Costa e Silva. Suspenso o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional. Os atos decorrentes do AI5 eram julgados fora da esfera judicial. Mandatos foram cassados, assim como direitos políticos e funcionários públicos foram demitidos sumariamente.
Costa e Silva enfarta, mas o vice, Pedro Aleixo, também de linha dura, não assume. No seu lugar entra uma junta militar que escolhe um sucessor e reabre o congresso. Em 1969 é promulgada a CF que incorpora os AIs.
Com Médici no poder a repressão atinge nível máximo. É instituída pena de morte por fuzilamento e censura a imprensa. A oposição começa a se organizar em grupos de guerrilha clandestinos que operam com táticas de guerrilha.
1969 – criação de agências especiais de repressão (DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna).
Ambigüidade do regime: entre 64 e 85, o Congresso permaneceu aberto e em funcionamento: a câmara e o senado, exceção feita aos cassados, cumpriu suas tarefas. A Arena era sempre majoritária e sempre aprovava todos seus projetos. O MDB dava um ar de legitimidade ao regime, aparentando formar uma oposição. Componentes que excedessem seu comportamento perderiam seu mandato.
As eleições legislativas (Senado, Câmara e assembléias estaduais e câmara de vereadores) foram mantidas com restrições. Não houve eleições para governador entre 66 e 82 e para  presidente entre 60 e 89. Durante o regime militar, o eleitorado cresceu muito, o que é mais um contra-senso: para quem não possuía direitos civis e políticos, por que votar? E mais: qual o sentido de votar, sendo que as instituições eram meros instrumentos do poder executivo?


Crescimento econômico
Baixo entre 64 e 67, iniciando crescimento vertiginoso a partir de 68. Começa a cair a partir de 77, reflexo da crise do petróleo de 73.
No entanto, não houve distribuição de renda. Os mais ricos ficaram muito mais ricos.
Houve êxodo rural, as cidades passaram a acolher mais 50 milhões de pessoas.

Ao mesmo tempo que os militares cerceavam os direitos políticos e civis, expandiam os direitos sociais. A previdência foi unificada e centralizada (INPS), exceto dos funcionários públicos civis e militares. 

STEPAN, Alfred - Os Militares na Política

CAPÍTULO 10

O texto de Stepan traz que o governo militar, de democracia tutelada, se converteu em uma autocracia (poder ilimitado e absoluto), enquanto os militares como instituição se viram profundamente divididos. Não havia um plano em comum entre os militares ao assumirem o governo, exceto as linhas gerais de controle dos comunistas, conter a inflação e executar pequenas reformas políticas e econômicas consideradas um pré-requisito para a volta dos civis em alguma época do futuro.
Apesar da crise interna, Castello Branco contava com o apoio de importantes setores da sociedade civil, tanto quanto dos militares. Sua principal característica que trazia este apoio era o fato de ser apolítico e ter uma brilhante carreira como militar, além de sua ligação com a ESG.
Mesmo com o golpe militar, neste momento foram mantidas algumas instituições de antes, como a Constituição Federal, os partidos políticos e o calendário eleitoral. A princípio haveria uma eleição para 1965.
No período imediatamente posterior ao golpe foram tomadas três decisões que deveriam produzir um impacto de longo alcance sobre a natureza do governo militar:
1-       Cassar por um período de 10 anos através de um Ato Institucional os direitos políticos de muitos adversários militares e políticos do movimento. Nota-se que, pelo período determinado, os militares precisariam ficar no poder por mais tempo para cumpri-lo e não realizar eleições em 65. JK e Adhemar de Barros, por exemplo, foram cassados.
2-       Impor uma política de estabilização e desenvolvimento, cujos resultados não seriam visíveis antes de pelo menos cinco anos.
3-       Haveria uma ditadura da corporação militar e não de um homem. O presidente seria eleito indiretamente pelo congresso (Ato Institucional nº 2).
O receio que Goulart estivesse indo para uma ditadura ao modelo peronista fez com que os governadores dos principais estados do Brasil apoiassem o golpe, para garantir eleições no ano seguinte. No entanto, quando o governo decidiu cancelar o pleito de 65, os políticos se tornaram grandes críticos dos militares.
Ideologicamente, os militares acreditavam que poderiam “expurgar” a corrupção do governo civil. (só o Stepan pra acreditar nisso...!)
O governo militar, em grande medida, tinha o apoio dos grandes órgãos de mídia. A empresa dirigida por Carlos Lacerda, no entanto, publicou que tinha havido uma traição da revolução quando os militares deixaram de devolver o poder aos civis. Foi quando houve a maior censura à imprensa da história do país.
A necessidade de manter a unidade e a de ter um programa com amplo apoio coloca novos problemas políticos aos militares. Seu fracasso em resolvê-los fazem com que se aumente o autoritarismo. Houve grandes represálias a grupos militares internos de oposição ao golpe (eram pró Jango) para que se tentasse forçar uma união.
Por outro lado, havia um temor que os militares saíssem da política e sofressem a hostilidade de JK, Brizola e Arraes, condenados ao ostracismo pelo AI1.
A anistia geral determinada pelos políticos após um retorno à liberalização apresentaria uma ameaça às Forças Armadas representada pelo retorno às fileiras de muitos oficiais expurgados em 64 e 65. A possível volta, no futuro, dos oficiais expulsos representava um obstáculo institucional à anistia. Os oficiais desligados do exército poderiam se ligar a grupos de guerrilhas urbanas, tal como houve em 22 e culminou na revolução de 30.
Além da desunião do governo militar, elementos que de início apoiavam o movimento golpista inevitavelmente foram excluídos da participação do governo por possuírem opiniões em grande medida divergentes. Daí surge a oposição dentro do próprio governo. Exemplos: generais Olympio Mourão Filho, Amaury Kruel, Justino Alves Bastos, etc. A coligação da crise de 64 aproximou todos aqueles que sentiam as Forças Armadas ameaçadas, mas esta coligação não era sustentável como coligação de governo. Os militares que compunham esta oposição tinham voz ativa, pois possuíam a imagem de insurgentes perante o povo e se uniram aos civis que eram contrários ao regime.
Assim, Castello Branco fez todos os esforços para conseguir ampla aceitação dentro das Forças Armadas, controlar a sucessão do presidente militar seguinte e de manter a unidade militar.



CAPITULO 11

Há teorias que afirmam que os militares poderiam ter um maior poder de desenvolvimento por possuírem o monopólio da força e conseguirem manter uma unidade organizacional no poder. Robert Dahl, no entanto, discorda. O autor afirma que, ainda que haja um elevado potencial de controle, tal controle necessita ser efetivo. A unidade militar é mais fraca com relação a ações específicas de efetivação e aos programas detalhados de desenvolvimento político e econômico porque estes normalmente jazem fora do domínio profissional dos oficiais e, como tal, fora do domínio da obediência inquestionável ou da doutrina militar estabelecida. Além disso, os militares se mostram tão despreparados quanto os civis para o jogo político de barganhas, persuasões, compromissos e diálogos necessários.
No caso brasileiro, a sucessão e continuidade política no regime militar apresentaram-se como um problema sério, pois os presidentes possuíam diferenças em todos os aspectos: personalidade, ideologia, passado sócio-econômico, envolvimentos políticos, dentre inúmeros outros.
Ademais, aspectos estratégicos de governo fugiam da capacidade técnica dos militares (presença de capital estrangeiro no país para investimentos, acordo político contra o comunismo, instauração de uma democracia tutelada e até quando deveria ir, etc.).
O governo Castello Branco instituiu alguns aspectos novos no governo: ativa política externa anticomunista, baseada na interdependência do mundo livre; preferência por um sistema de empresa semilivre, apoiado e orientado por um forte governo central; aversão e desconfiança pelo nacionalismo irracional e ênfase sobre as soluções realistas e técnicas; confiança intelectual na democracia que aceitasse a necessidade prática de tutela temporária.
Fatos ocorridos no governo: fim da neutralidade, declarando abertamente a parceria com os norte-americanos; planejamento econômico para fortalecer o sistema misto e de livre-empresa e controlar a inflação; privatizações (Loide e Fábrica Nacional de Motores); reformas fiscais (principalmente sobre a produtividade das terras, forçando os latifundiários a produzirem mais ou venderem as terras). Seu ministro do Planejamento era Roberto Campos. O presidente também confiava na democracia como forma de governo.
De outro lado contou-se com uma estratégia de desmobilização: controle de sindicatos, entidades estudantis, organizações camponesas, corpo legislativo e universidades.
No entanto, o programa político e econômico fora alterado por conta de grandes diferenças internas no governo. A estratégia política da elaboração de uma nova constituição e a revisão dos sistemas eleitoral e partidária tornou-se irrelevantes perante a crise de 68, que só foi resolvida com a instituição do AI5, que ampliou o controle autoritário militar sobre o sistema político.
O governo Costa e Silva contraria o anterior, dando preferência a recursos nacionais para desenvolvimento econômico e acaba com o estatuto tributário pró-reforma agrária de 64. As relações com os EUA passaram a não ser tão boas por conta do nacionalismo.
Um dos motivos para essas mudanças foi a pressão dos civis. Costa e Silva teve o apoio dos latifundiários para se eleger. Ao defender o capital nacional também diminuiu a pressão das forças nacionalistas.
Os membros da FEB, ao terem contato com os americanos na guerra, foram bem tratados e mudaram de opinião quanto à idéia “imperialista” dos EUA.
A ideologia da ESG tomou corpo e formalizou muitas das idéias associadas com a FEB. Estas idéias contribuíram para despertar entre os militares a crença em sua própria competência para conduzir questões de desenvolvimento nacional. Na década de 50, o fator desenvolvimentista privado fora privilegiado em detrimento do nacionalismo e do setor público, característica contrária aos militares e à prática sul-americana. Tal fator se deve ao contato com os EUA na guerra.
Muitos oficiais tanto do Peru quanto do Brasil que cursaram escolas norte-americanas estavam familiarizados com o desejo que a missão dos militares incluísse um papel crescentemente ativo nos setores econômicos e político. Assim, o ensino americano e estrangeiro parece correlacionar-se com o ativismo militar em ambos os casos. Esta missão ou expansão de papel foi parte integrante do profundo envolvimento dos militares no processo de desenvolvimento tanto no Peru quanto no Brasil.
Castello não queria o continuísmo, não queria ficar por muito tempo no poder. Por outro lado, não conseguiu fazer seu sucessor, dadas suas idéias liberais, contrárias aos militares à época. Castello também tinha aversão a persuasão política. Os nacionalistas autoritários formaram a força principal que Esteve por trás das tentativas de golpe em outubro de 65 e em dezembro de 68, crises que só foram solucionadas com um endurecimento das políticas com relação aos civis.
Os elementos reformistas do grupo nacionalista autoritário do manifesto não subiram ao poder. À medida em que o governo militar se desgastou, cresceu mais fortemente a oposição e o tom do sentimento nacionalista autoritário se tornou mais asperamente repressivo e menos imediatamente sensível a questões de reforma social. A grande expansão industrial também dificultou esse processo.
A tensão entre os dois governos refletiu tensões e desacordos no quadro de oficiais em geral. Os oficiais fortemente identificados com o primeiro governo caíram em desgraça e reclamaram abertamente das políticas do segundo. A condução da sucessão produziu sérias descontinuidades na política, bem como sérias disputas dentro das Forças Armadas.