terça-feira, 26 de julho de 2011

Ensaio Analítico – Violência nas Relações Homoafetivas - Agressões a homossexuais

Contextualização

Acontecimentos envolvendo violência entre grupos que pregam intolerância a relacionamentos homoafetivos têm tomado grande espaço na agenda de discussões tanto na mídia quanto no poder público, o que justifica a relevância da apresentação do tema. Declarações polêmicas de representantes do Poder Legislativo (Deputado Federal Jair Bolsonaro e da Deputada Estadual Fluminense Myriam Rios, por exemplo) colocam opiniões preconceituosas e fomentam posicionamentos contrários à liberdade sexual.

As estatísticas disponíveis sobre agressões motivadas por intolerância devido à manifestação pública de opção sexual têm mostrado um aparente decréscimo nos últimos anos. De acordo com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, em 2002, foram registrados 126 casos; esse número saltou em 2004 para 157, mas voltou a cair para 78 casos em 20051. Entretanto, as informações são escassas e, invariavelmente, parciais para se estabelecer um estudo com conclusões mais precisas quanto ao tema.

Metodologicamente, não é possível atrelar de maneira precisa a causa da intolerância às agressões, devido tanto à falta de registros corretos, bem como, no caso de assassinatos, a constrangimentos familiares em admitir a opção sexual do ente falecido.

Em uma perspectiva mais ampla, a relação social entre indivíduos de opções sexuais distintas (que por certas vezes culmina em violência física) insere-se em um cenário maior, simbólico, no qual está incutida uma discriminação clara e disseminada em meios de comunicação e nas interações no dia a dia.

Linguagens da Violência

A violência praticada por grupos de intolerância é marcada por atrocidades, como manifestação de sua linguagem. Uma das explicações pode ser atribuída à tentativa de recuperar indivíduos, impondo de maneira contundente e “corretiva” comportamentos tidos como “adequados”, à luz dos valores destes grupos.

O sociólogo Antônio Celso Spagnol, do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo afirma: “Casos de extrema violência são típicos. Às vezes vejo no jornal 'sujeito morreu com 20 facadas, teve o crânio esmagado, ninguém sabe quem foi'. É praticamente certo que seja homossexual, pela extrema violência que o sujeito causa no outro”.

É a violência que WIEVIORKA chama de “expressão desumanizada do ódio, destruição do Outro, tende à barbárie dos purificadores étnicos ou dos erradicadores” (pág. 37)

Os atos violentos ultrapassam, portanto, sua forma em si; extrapolam a cena, como forma de comunicar à sociedade o ódio e a destruição de um modus vivendi e de opções contrárias às estabelecidas pelo que se julga correto. É esperado pelos autores que a lição exacerbada possa servir de mensagem para reparar comportamentos inadequados.

A violência física, por sua vez, é consequência de um processo de dominação simbólico, construído socialmente. O dominado, grupo minoritário, assume a lógica da dominação de uma sociedade majoritariamente heterossexual. Decorre da situação uma violência simbólica, que, muitas vezes, não se expressa nem é vivida necessariamente como violência física, mas nem por isso não significa que não seja uma experiência dolorosa. Segundo Bourdieu, “transforma-se o arbitrário cultural em natural” (BOURDIEU, 2002).

As vítimas das ações mobilizam-se através de movimentos sociais ou por meio de organizações do governo que buscam promover as diferenças na sociedade. Nesse sentido, o Estado por meio de sua legitimidade, cria órgãos de apoio para repressão e articulação com meios de comunicação como estratégias de coibir a violência e conscientizar a população.

Violência, História e Sentido

Segundo TOURAINE (apud WIEVIORKA, pág. 29), a violência contemporânea decorre de um quadro de conflitos definido pelo autor como “crise da modernidade”. Neste cenário, identidades comunitárias entram em desacordo com a racionalização das ciências e do mercado, causando situações de embates entre culturas e o sistema.

Assim, a violência praticada por grupos contrários a homossexuais apresenta-se como uma proteção de uma identidade coletiva compartilhada por esses grupos. Os atores buscam a construção de uma realidade racionalizada, afirmando valores colocados em risco pelo processo de modernização, o que poderia ser a composição de um pós-modernismo, que tenta retomar e reafirmar tais valores (WIEVIORKA, 1997, pág. 35)

Em consonância com Wieviorka, DAHRENDORF (1987) aponta a crise da modernidade como o embate entre a valorização da autonomia e liberdade individual versus uma sociedade repressora, de indivíduos amedrontados ou repressivos. “Buscávamos Rousseau e encontramos Hobbes” (DAHRENDORF, páginas 13 e 14). O Estado cria mecanismos de controle e contenção com o objetivo de tentar estabelecer uma ordem severa em prol de um ambiente menos hostil.

Entretanto, os métodos de repressão construídos pelo Estado não obtêm grande êxito, na medida em que a relidade contemporânea apresenta grande complexidade. WIEVIORKA afirma que a fragmentação cultural contribui para que a fórmula weberiana – o monopólio estatal da violência – apresente-se cada vez menos capaz de lidar com a realidade (pág. 19). “A primeira questão de segurança hoje não são as ambições de poder, é a pane dos Estados” (Delmas, 1995 – apud WIEVIORKA, 1997).

Ademais, a rápida disseminação de informações por toda parte do globo via internet (a “sociedade informacional”, retomando o conceito de Manuel Castells) permite que sejam articuladas pressões políticas para que países assegurem compromissos perante a comunidade internacional para a garantia de liberdades individuais. Nesse aspecto, WIEVIORKA chama a atenção para os fluxos mudiais de decisões, mercados, pessoas, capitais e informações, que enfraquece o poder do Estado individualmente perante todo o cenário internacional (pág. 18), uma vez que seu posicionamento tem que ser alinhado a ele.

Graves Violações de Direitos Humanos

O Relatório de Direitos Humanos de 2010 da Rede Social de Justiça aponta avanços nos projetos governamentais de inserção dos direitos dos grupos LGBT. Áreas como a saúde, promoção de ações não-discriminatórias e a igualdade jurídica são temas abordados e priorizados na agenda do poder público.

No aspecto eleitoral, a mobilização dos grupos versa no sentido da conscientização política para eleger candidatos identificados com reivindicações dos grupos.

Especificamente no campo das ações contra a violência, foi elaborada e encaminhada uma pauta pelos grupos LGBT para a Conferência Nacional de Segurança Pública elencando aspectos que devem ser considerados ao se estabelecer a política de segurança. Destacam-se elementos como treinamento específico a policiais no tratamento aos indivíduos deste grupo e adequação de carceragens para recebê-los.

A parada do Orgulho LGBT de São Paulo, no ano de 2011, contou com a presença de 3 milhões de participantes, segundo números da organização. O evento contou com o dobro do número de policiais do ano de 2010, bem como um aparato capaz de registrar crimes contra intolerância sexual. Tais fatores podem explicar a queda do número de ocorrências do evento, que pode ser considerado um dos maiores do mundo.

Conclusão

As organizações que representam os grupos homossexuais têm logrado importantes vitórias ao obter espaços no cenário democrático. Seus resultados, por meio da pressão no poder governamental para a definição de políticas públicas, revertem-se em respeito em adequação de práticas (policiais, por exemplo) e diminuição de agressividade (aumento do policiamento e proteção), principalmente.

Neste cenário, é fato que o Estado por si não se apresenta capaz de gerir os conflitos existentes em um ambiente plural. As representações dos grupos perante os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem ser marcantes para promover mudanças. A comunicação com grupos internacionais também é fundamental para tornar ainda mais efetiva a questão afirmativa dos grupos.


Bibliografia:

1- Nucleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP). São Paulo, 2007. Disponível em:

http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=189&Itemid=29
http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=162&Itemid=29
http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=215&Itemid=29

2- Relatório de Direitos Humanos – Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. São Paulo, 2010. Disponível em:
http://www.social.org.br/Direitos%20humanos10.pdf
 (página 173 – artigo de Leonardo Dall Evedove).

3- Propostas da 1ª Conferência LGBT para a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública
http://www.inesc.org.br/biblioteca/textos/seguranca-publica/Propostas%20LGBT_para%20CONSEG.pdf

4- Jornal Extra. São Paulo, 2009. Reportagem disponível em: http://extra.globo.com/noticias/brasil/policia-de-sp-confirma-atentado-bomba-durante-parada-gay-prende-sete-de-grupo-neonazista-207419.html

5- Site APOGLBT. Reportagem disponível em: http://www.paradasp.org.br/noticias.php?id=256

6- WIEVIORKA, Michel. “O novo paradigma da Violência”. Tempo Social; Revista de Sociologia da USP. São Paulo, 9(1): 5-41, maio de 1997.

7- DAHRENDORF, Ralf. “A Lei e a Ordem”, Instituto Tancredo Neves – 1987.

8- BOURDIEU, Pierre. “A Dominação Masculina”, tradução Maria Helena Kuhner – 2ª Edição – Rio de Janeiro – Editora Bertrand Brasil, 2002.