quarta-feira, 4 de abril de 2012

Teoria Tradicional e Teoria Crítica - Max Horkheimer e Theodor Adorno (1937)

A Ciência Social tem o poder de desconstruir lógicas tomadas como certas. Simplesmente (ou não tão simplesmente assim) demonstrando o quão cultural são as convicções pessoais.
Uma teoria que consegue ir ainda além dessa desconstrução foi preconizada por Horkheimer em 1937. A proposta não poderia ter nome mais adequado que Teoria Crítica.
Proponho abaixo algumas anotações, transcrições e reflexões sobre o brilhante texto de Max Horkheimer.

Em sua proposta, Horkheimer atualiza a teoria marxista, incorporando outros tipos de pensamentos, principalmente a psicanálise.

Trata-se de uma tentativa de preencher uma lacuna do pensamento, a proposição de uma Teoria Marxista da Ciência. Graças à separação dos trabalhos de Marx e Engels, a partir de 1850, Marx dedicou-se a estudos em Economia (gerando a publicação d’ ”O Capital – Crítica da Economia Política”). Engels, por sua vez, procurou traduzir uma teoria da ciência. O resultado foi a obra “Dialética da Natureza”, que certamente carecia de elementos mais críticos para a análise de uma realidade baseada na teoria tradicional de Marx (Engels inclusive faz menção ao Socialismo Científico, um contrassenso nesta lógica, que busca uma ruptura da Teoria Tradicional).

À luz de uma proposta de Teoria Marxista da Ciência, Max Horkheimer questiona o lugar e o papel da ciência em uma sociedade (burguesa ou socialista). Trata-se de uma reconfiguração do marxismo como saber.
A Teoria Crítica é o desenvolvimento da crítica da economia política, ou como descreve Lukács, seu método será o da crítica do fetichismo da mercadoria como representação das relações sociais. Trata-se da integração do novo proletariado, da década de 30, na teoria marxista.
A ciência, no marxismo, é composta por dois fatores: ideologia e força política. Há, entretanto, uma linha de corte: a ciência opera, sobretudo, como força produtiva, enquanto que as explicações sobre seu funcionamento são a ideologia. Para Marx, a ciência opera para aumentar a mais valia relativa.
De acordo com Max Horkheimer, as representações tradicionais reificam a ciência. A teoria não é independente. Ciência é a conexão com processos sociais reais.
A representação da teoria é a abstração da ciência, do trabalho e das outras atividades sociais. Abstração é a ilusão de independência/autonomia; para Marx, deriva do próprio sentido da mercadoria.

Mantendo a tradição marxista, o principal ponto de Horkheimer continua sendo fetichismo da mercadoria. A reificação para todos os domínios da vida social: não existem formas de relação de trabalho, mas entre coisas.
Horkheimer não desenvolveu outra teoria do conhecimento. A Teoria Crítica é uma correção de pressupostos de teorias.
A ciência é o fator que impulsiona a produtividade do trabalho, faz parte do aparato produtivo.
O Socialismo é a reorganização racional da sociedade. Só assim a Teoria Tradicional poderia ser concebida como parte do aparato produtivo. Em uma sociedade socialista, não faria sentido o fetichismo da mercadoria como mediadora das relações sociais, o que comprometeria a análise nesse sentido.

Há três questionamentos da Teoria Crítica com referência à Teoria Tradicional:
1- Perspectiva positivista: qual é o papel positivo da ciência em uma sociedade que “funciona”
2- Sua relação mediatizada e intransparente com a satisfação das necessidades gerais
3- Sua participação no processo renovador da vida da totalidade (ou seja, uma “auto-alimentação”)


A meta do pensamento crítico, a realização de um estado racional, tem suas raízes na miséria do presente. Preso na realidade, o homem, como sujeito histórico, apenas a reproduz.
Segundo Horkheimer, há um conflito entre as necessidades humanas e sua satisfação, na medida em que o mesmo sujeito que quer impor os fatos de uma realidade melhor, também a representa. Remete-se a um conflito entre o em si e o para si de Sartre.
Os interesses do pensamento crítico são universais, mas não são universalmente reconhecidos. O sentido dos conceitos criados pelo pensamento crítico não tem que ser buscados na reprodução, mas na transformação da sociedade atual (exemplos: classe, exploração, pauperização, etc. – pág. 52).
A teoria que impulsiona a transformação do todo social tem como consequência a intensificação da luta com a qual está vinculada.
O autor pondera as críticas feitas ao pensamento: subjetivismo e parcialidade. Sua construção, entretanto, busca ser absoluta e imparcial.

Pontos de resgate de uma perspectiva teleológica (p. 53):
1- a projeção do futuro baseada na compreensão profunda do presente. Deve-se mapear os momentos em que a realidade se afastou dessa imagem. E mais: cabe ao teórico introduzir esta tenacidade nos grupos mais avançados das camadas dominadas, pois é justamente dentro dessas camadas que esses grupos encontram ativos (consciência de classe de Lukács).
2- A simples reprodução da prática diária, à luz da teoria tradicional, com suas contradições internas e externas, em um determinado momento, acabará por levar a humanidade a uma nova barbárie, no momento em que se exaurir a exploração sobre a natureza (p. 58).

Horkheimer atualiza epistemologicamente o conceito de teoria crítica, comparando-o à teoria tradicional da mesma forma que forças e antiforças são comparadas a simples registros de acontecimentos.
Tenta-se controlar a dominação da natureza utilizando-se do conhecimento decorrente da Teoria Tradicional. Na sociedade, a dominação deveria ser reconhecida como tal e ser combatida fazendo-se uso da Teoria Crítica.
A necessidade se faz como conceito na medida em que perde seu controle, podendo ser comparada à natureza descontrolada, fruto da impotência da sociedade de dominá-la com organização consciente e adequada.
A força e a anti-força, para Horkheimer, podem ser exemplificadas como a organização social contra as necessidades geradas pela dominação e as amarras sociais. Isto é, analogamente, a libertação das imposições da natureza pode ser comparada à libertação humana das amarras sociais: a ordem jurídica, cultural e política.
Uma das premissas dessa teoria, entretanto, é que haja uma aspiração efetiva a uma situação em que a vontade dos homens possua um caráter necessário e que se torne a necessidade de um acontecimento controlado racionalmente.
O conceito de necessidade na teoria crítica é, ele mesmo, crítico, pressupõe o conceito de liberdade.
Os cientistas executam apenas o que o nexo causal da realidade, fechado em si mesmo. Como seres racionais, são isolados e impotentes. De certa forma, entregam-se a um dado cenário dado. Partem do princípio da imutabilidade da realidade social. Na sua reflexão, os homens são meros espectadores de participantes passivos de um imenso acontecimento que talvez possa ser previsto, mas nunca dominado.
A necessidade não é ocorrência imposta por alguém, mas fruto de cálculos e probabilidades sob a ótica da teoria tradicional.
O cientista se fecha no mundo da ciência; não possui outro interesse. De acordo com Horkheimer, há resistência quanto à proposta de um pensamento crítico. Se a ideia construída não vai de encontro à práxis cotidiana, sofre hostilidade.
A teoria tradicional constrói e presume uma sociedade organizada. Por meio de uma economia consciente, busca-se o objetivo positivista de uma sociedade melhor, uma melhora da existência humana. Esse positivismo e submissão não afeta apenas a teoria, mas também a práxis liberadora das tradicionais amarras sociais. A construção científica está profundamente ligada à práxis histórica.
A consciência da teoria crítica se baseia no fato de que, apesar das mudanças da sociedade, permanece a sua estrutura econômica fundamental – a relação de classe na sua figura mais simples – e, com isso, a ideia da supressão dessa sociedade permanece idêntica (pág. 63). Ou seja, as mudanças históricas não alteram a lógica da teoria crítica.
Na década de 30, época que escreve o autor, os proprietários perderam a direção/gestão dos negócios para os industriais responsáveis em conduzir os negócios. Tal acontecimento causou a aparição de novas ordens ideológicas políticas e econômicas (o capitalista produtivo e o parasitário, de acordo com Horkheimer).
No fim desse processo perdura uma sociedade não mais dominada por proprietários independentes, mas por camarilhas de dirigentes industriais e políticos.
No liberalismo, as concepções morais, éticas e políticas dos indivíduos também foram monetarizadas, ou seja, passaram a seguir uma lógica econômica racional. Trata-se da lógica de sujeitos econômicos independentes seguindo contratos. O indivíduo deixou de ter um pensamento próprio, o conteúdo da crença das massas, no qual ninguém acredita muito é o produto direto da burocracia que domina a economia e o Estado. Os adeptos dessa crença seguem em segredo apenas os seus interesses atomizados e por isso não verdadeiros; eles agem como meras funções do mecanismo econômico.
Assim, a transformação do cultural (como parte da superestrutura) se faz mais clara pela infraestrutura econômica. O econômico transforma o social de forma mais simples e mais complexa: mais simples porque os homens são mais facilmente forjados, a resistência inexiste. Mais complexa porque a relação entre os homens nessa economia desenfreada provoca a reificação humana, como meros instrumentos.
A teoria constrói uma imagem desenvolvida do todo e não de fatos isolados.
Transformar a teoria crítica da sociedade em sociologia é, por princípio, um empreendimento problemático.

Ninguém pode se colocar como sujeito, a não ser como sujeito do instante histórico. Não há, portanto, um sujeito absoluto e supra-histórico, não é possível a transposição do momento histórico atual para qualquer outro, passado ou futuro.

A teoria crítica é incompatível com a crença idealista que ela própria representaria algo que transcende os homens, que possui algo assim como crescimento.
Não existem critérios para a teoria crítica, eles se baseiam sempre na repetição de ocorrências, isto é, na totalidade que se auto-reproduz.
O conformismo do pensamento, a insistência em que isto constitua uma atividade fixa, um reino à parte dentro da totalidade social, faz com que o pensamento abandone a sua própria essência.

Bibliografia:
• HORKHEIMER, Max. “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”. In: HORKHEIMER, Max e ADORNO, Theodor. Textos Escolhidos, p. 31-68. São Paulo, Abril Cultural, 1983.
• LUKÁCS, Georg. História e Consciência de Classe. São Paulo, Martins Fontes, 2001

2 comentários:

  1. Como consigo o livro? Procurei horas na internet, mas não consigo achá-lo.

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    1. Tem no site minhateca.com.br
      Basta fazer o cadastro e procurar por "teoria tradicional e teoria crítica".

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