terça-feira, 4 de janeiro de 2011

CLIFFORD, James – A Experiência Etnográfica – Antropologia e literatura no séc. XX - Capítulo 1 – Sobre a Autoridade Etnográfica

J. Clifford caracteriza os métodos etnográficos dos clássicos, criticando-os e buscando uma composição sua. Ele inicia seu trabalho falando de B. Malinovski, da influência que o pesquisador tem no comportamento do objeto pesquisado.
O Orientalismo de E. Said, segundo JC levanta dúvidas radicais sobre os procedimentos pelos quais grupos humanos estrangeiros podem ser representados, sem propor, de modo definido e sistemático, novos métodos ou epistemologias. Tais estudos sugerem que, se a escrita etnográfica não pode escapar inteiramente do uso reducionista de dicotomias e essências, ela pode ao menos lutar conscientemente para evitar representar “outros” abstratos e a-históricos. Os objetos são estudados sem dar muita atenção à sua historicidade. É mais do que nunca crucial para os diferentes povos formar imagens complexas e concretas uns dos outros, assim como das relações de poder e de conhecimento que os conectam, mas nenhum método científico soberano ou instância ética pode garantir a verdade de tais imagens. O desenvolvimento da pesquisa etnográfica não pode, em última análise, ser compreendido em separado de um debate político-epistemológico mais geral sobre a escrita e a representação da alteridade (concepção que parte do pressuposto básico de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro (que em uma visão expandida se torna o Outro - a própria sociedade diferente do indivíduo). A própria escrita do etnógrafo envolve uma série de fatores que a compromete. O etnógrafo descreve costumes, o antropólogo constrói teorias. Com B. Malinovski, o antropólogo assume os dois papéis (apesar de ele mesmo assumir não ter compreendido muito do que escreveu). O autor também se preocupa em descrever o mais fielmente o que ocorria, bem como utilizar uma narrativa envolvente, um presente etnográfico e uma dramatização da presença do autor (técnicas para tornar a experiência do pesquisador e dos nativos também uma experiência do leitor). Na década de 20, as seguintes mudanças ocorreram no método etnográfico, graças a BM:
- a pessoa do pesquisador de campo foi legitimada, tanto pública quanto profissionalmente
- era tacitamente aceito que o etnógrafo de novo estilo podia usar a língua nativa, ainda que não a dominasse perfeitamente
- acentuada ênfase no poder de observação
- algumas abstrações teóricas prometiam auxiliar os etnógrafos a chegar ao cerne de uma cultura mais rapidamente que alguém que empreendesse um inventário exaustivo de culturas e crenças
- enfoque em instituições específicas, dado o curto tempo de permanência do etnógrafo com o povo a ser estudado: retórica baseada na sinédoque (partes concebidas como microcosmos ou analogias do todo)
- todos os representados tendiam a ser sincrônicos, produtos de uma pesquisa de curta duração
Estas inovações serviam para validar uma etnografia eficiente, baseada na observação participante científica. Argonautas e Os Nuer (E-Pritchard) são obras com essas características. Autores como R-Brown e M. Mead também utilizaram-se do método.
A participação, no entanto, passou a ser encarada posteriormente como um método dialético entre experiência e interpretação, com enfoque nos fenômenos particulares da sociedade em estudo. Essa evolução pode ser vista em Wihelm Dilthey e M. Weber, chegando até os “símbolos dos significados” com C. Geertz. O crescente prestígio do teórico-pesquisador, entretanto, colocou em segundo plano uma série de processos e mediadores que haviam figurado de modo mais destacado em métodos anteriores.
Segundo o CG, pode-se resistir à tentação de transformar toda experiência em interpretação. Embora as duas estejam reciprocamente relacionadas, não são idênticas. Faz sentido mantê-las separadas, quanto mais não seja porque apelos à experiência muitas vezes funcionam como validações para a autoridade etnográfica.
Posteriormente JC faz menção a filologia como método de estudo (Ricoeur). C. Geertz adapta a abordagem filológica ao trabalho de campo. A textualização é entendida como um pré-requisito para a interpretação, a constituição das “expressões fixadas” de Dilthey. Trata-se do processo através do qual o comportamento, a fala, as crenças, a tradição oral e o ritual não escritos vêm a ser marcados como um corpus significativo, assume uma relação mais ou menos estável com um contexto; o resultado final desse processo é considerado como uma descrição etnográfica densa. Uma certa instituição ou segmento de comportamento são típicos de, ou um elemento comunicativo em, uma cultura circundante como a briga de galos balinesa de CG., que se torna um lócus intensamente significativo da cultura. São criadas áreas de sinédoques nas quais partes são relacionadas a todos, e através das quais o todo – que usualmente chamamos de cultura – é constituído.
O etnógrafo usufrui de uma relação de “sujeito-absoluto”, sendo recorrentemente comparado ao intérprete literário. Ao caracterizar seus objetos, fontes de intenções com significados, transforma as ambigüidades em diversidades de significado da situação de pesquisa em um retrato integrado.
Torna-se necessário conceber a etnografia não como a experiência e a interpretação de outra realidade circunscrita, mas sim como uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois, e muitas vezes mais, sujeitos conscientes e politicamente significativos. Paradigmas de experiências e interpretação estão dando lugar a paradigmas discursivos de diálogo e polifonia. Um modelo discursivo de prática etnográfica traz para o centro da cena a intersubjetividade de toda fala, juntamente como seu contexto performativo imediato. Dwyer e Crapanzano colocam a etnografia em um processo de diálogo em que os interlocutores negociam ativamente em uma visão compartilhada da realidade. Esta mútua construção está presente em qualquer encontro etnográfico, mas que os participantes tendem a supor que eles aquiesceram (consentiram, concordaram) em relação à realidade do outro interlocutor. Eles buscam representar a experiência da pesquisa de uma forma que expõe a tessitura textualizada do outro e assim também do eu que interpreta.Para Bahktin, focado na representação de todos não-homogêneos, não há nenhum mundo cultural ou linguagem integrados. Uma cultura é concretamente um diálogo em aberto, criativo, de subculturas, de membros e não-membros, de diversas facções. Os processos experiencial, interpretativo, dialógico e polifônico são encontrados de forma discordante em cada uma das etnografias, mas a apresentação coerente pressupõe um modo controlador de autoridade. JC tentou distinguir estilos de autoridade nas décadas recentes. Se a escrita etnográfica está viva, como o autor acredita, luta no limite dessas possibilidades, ao mesmo tempo que contra elas.

3 comentários:

  1. Olá, muito elucidativa sua análise sobre o texto de JC. será que você teria algum resumo da obras Writing Culture do mesmo autor?
    Um abraço,

    Patricia Sodré
    patricia.sodre@globo.com

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Olá,muito rica essa contextualização sobre o texto de James Clifford, agradeço sua contribuição para a ciência e para nós estudantes que precisamos a cada dia aprender mais.Sou do Doutorado em Educação e estou discutindo exatamente esse texto,muito rico.Vou me inscrever no seu blog, beber dessa fonte cristalina do saber.
    Um abraço.
    Naiola Miranda
    naiolamiranda@gmail.com

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