terça-feira, 4 de janeiro de 2011

LAMOUNIER, Bolivar (1992) “Estrutura Institucional e Governabilidade na década de 90” in Reis Velloso, João Paulo dos (org.). O Brasil e as Reformas Políticas. Rio de Janeiro: José Olympio.

O autor caracteriza o desordenado processo de formação sócio-econômica do Brasil e o aponta como causa das diferenças sociais existente nos dias atuais. Os ideais democráticos construídos na década de 80 encontram, na década de 90, desafios decorrentes de uma modernização acelerada, que constituem um risco à governabilidade. Essas mudanças e transformações remetem, para LAMOUNIER, ao conceito de democracia consociativa de LIJPHART. Segundo este, trata-se de uma característica das sociedades pluralistas, nas quais há profundas divisões religiosas, étnicas, lingüísticas e “ideológicas”, em torno das quais se estruturam as diversas organizações políticas e sociais, como os partidos, os grupos de interesse e os meios de comunicação. Tais segmentações podem gerar um tipo de compromisso político-democrático, interferindo sobremaneira na direção do Estado. Esses enlaces podem acabar por comprometer formações de governo mais abrangentes e estáveis, que poderiam trazer caminhos para um possível viés da gestão pública no sentido da redução das desigualdades no país. O autor atenta que um fortalecimento do Executivo, por meio do apoio popular e uma conseqüente redução dessa fragmentação, gera uma fixação decisória que pode mitigar riscos de uma sociedade com interesses plurais. As inevitáveis alianças políticas realizadas por pretendentes ao poder certamente geram compromissos com grupos e suas convicções. Outro reflexo do consociativismo é a criação de dispositivos para proteger e defender os interesses de grupos minoritários. O Brasil, de estrutura patriarcal e oligárquica, exageradamente mergulhado nessa democracia consociativa, para LAMOUNIER, pode proporcionar no jogo político o que o autor chama de poliarquia reversa, instável e com alta propensão a ingovernabilidade, tantos e tamanhos são os vetores de interesses e ideologias que guiam os atos de governo.
Há nações que tradicionalmente e historicamente apresentam uma estrutura de poderes que permite que as minorias possuam poder de voto e de veto (Bélgica e Holanda, por exemplo). No Brasil, no entanto, a participação de grupos minoritários nunca foi uma prioridade, apesar de haver um aparato que garanta sua participação (como o pluripartidarismo, o sistema eleitoral com representação proporcional e os ministérios multipartidários). É este contra-senso que pode fornecer poderes políticos a determinadas classes, em detrimento de eventuais interesses coletivos maiores. “(...) delineou-se no Congresso, de maneira informal e provavelmente inconsciente, o que se poderia chamar de um modelo paritário de representação, no qual a autoridade pessoal de um parlamentar ou a especial representatividade de uma corrente às vezes preponderava sobre o número de votos teoricamente mobilizável em favor do interesse oposto” (p. 32)
O modelo consociativo brasileiro desenvolveu-se a partir de três elementos distintos: o corporativismo (via criação das Leis do Trabalho, principalmente), a acomodação consociativa (baseada em ideais liberais) e a transformação do presidencialismo oligárquico da República Velha no presidencialismo plebiscitário.
A partir de 1930, a criação de um sistema eleitoral pluripartidário permitiu o convívio de interesses distintos da elite. DAHL caracteriza tal fenômeno como ‘contestação pacífica’, pois abre espaço a reivindicações díspares, promovendo a participação política de partes interessadas dotadas de poder econômico.
Historicamente, a promoção do consociativismo - traduzido como liberdade partidária e de opinião - logra crescimentos como um valor social, notadamente em três períodos (não ditatoriais): na década de 30, em oposição à alternância oligárquica da Velha República; no pós-Estado Novo (1945 a 1964), contrapondo-se ao modelo Varguista; e na década de 80, em contestação à ditadura militar (período durante o qual havia um bipartidarismo).
Nesse cenário, a presidência plebiscitária surge como meio para unir e gerir interesses distintos. A primeira experiência fora com Getúlio Vargas, na década de 30, que buscou afirmar seu poder pessoal e se contrapor ao comunismo e ao liberalismo exacerbado, ideologias inimigas, à época. “É a visão do presidente da República como um grande estabilizador: a força poderosa que irá deter e disciplinar os particularismos; e ao mesmo tempo, o desestabilizador construtivo, que indicará a direção e ditará o ritmo das grandes reformas sociais, vencendo resistências e mobilizando o apoio necessário à consolidação dos avanços” (p. 40).
O grande contraponto a este modelo é que o chefe do executivo normalmente não possui maioria parlamentar que garanta a governabilidade e estabilidade política. Prova disso é a quantidade de presidentes eleitos via voto popular que conseguiram terminar seu mandato até a Constituinte de 1988: Eurico Gaspar Dutra e Juscelino Kubitschek. E apenas Ernesto Geisel conseguiu eleger seu sucessor. Normalmente crises econômicas afetam sensivelmente a popularidade do presidente, fazendo com que ele perca apoio plebiscitário.
LAMOUNIER conclui, portanto, que, para reduzir o risco da falta de governabilidade gerada pelo pluralismo de uma democracia consociativa, os modelos eleitoral e partidário devem ser reformados. O presidencialismo tal qual existe necessita da formação consolidada de uma base parlamentar que lhe sirva como apoio para execução de seu plano de governo. São necessários contrapesos institucionais para que isso ocorra.

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