terça-feira, 4 de janeiro de 2011

MARTINS, Carlos Estevão e CRUZ, Sebastião Velasco (1983) – De Castello a Figueiredo: uma incursão na pré-história da abertura – págs. 13-61

As principais características do governo pós-64 apontadas pelo autor são a durabilidade (18 anos no poder), a manutenção do poder por um setor (a oposição em nenhum momento sequer ameaçou) e a mutabilidade (entre Estado de exceção e Estado de Direito).
O que dura é a coalizão que assumiu o poder em 64 e o que muda é a forma do Estado (quem e como governa). Talvez tenha sido isso que permitiu tanto tempo de ditadura.
As mudanças não permitiram que fosse construída uma estrutura institucional que impusesse o autoritarismo de maneira sistemática. Mas houve, sim, períodos autoritários e práticas violentas, em menor medida que no Chile e Argentina. Sempre sob a desculpa da “necessidade”.
Houve no Brasil, mais que um regime autoritário, uma situação autoritária.
Há arranjos no Brasil que foram efêmeros e não conseguiram se estabilizar: autoritarismo, militarismo, corporativismo, liberalismo e democracia. Não há uma ordem estabelecida, mas sim instabilidade.

Premissas:
- A intensificação do autoritarismo não é decorrência direta do golpe de 64. Há inúmeros outros processos que ocorrem paralelamente. Por exemplo, o comunismo como um risco real.
- Não há bons ou maus na história: aspectos positivos não podem ser creditados à oposição nem negativos à ditadura. Todos fazem parte do processo político.
- Faz-se necessário levar em conta o cenário no qual se deu o golpe de 64: o desenvolvimento da social-democracia como ideologia, a participação do Estado na produção de mais-valia e na reprodução da força de trabalho, exigem que as esferas públicas e privadas sejam modificadas, assim como os mecanismos institucionais e ideológicos que se articulam entre si. O capitalismo passa por radicais mudanças: a proliferação dos meios de comunicação eletrônicos, a discussão pelos direitos sociais, a segurança do Estado, etc. enfraquecem partidos políticos, parlamentos e direitos políticos.

O golpe não deu certo em 61 porque faltava apoio político das mais diversas alas da sociedade. O erro fora reparado em 64.
Ideologicamente, o grupo que assume em 64 pode ser classificado como “sorbonista”, isto é, anti-varguista (raízes de 32) e a aliada com os EUA contra o fascismo na segunda guerra. Eles transmitiam uma possibilidade de transcender ao simples golpe e se configurar positivamente como um redirecionamento modernizador, para abandonar os rumos da revolução de 30 em direção a um novo ciclo na história.
Havia, no entanto, um problema difícil de se resolver: atender os diferentes interesses que permitiram o golpe. A coalizão vitoriosa não era apenas heterogênea, mas contraditória e incapaz de unificar setores dominantes.
A CF de 46 fora mantida. Nesse momento também não foram afetados a liberdade de imprensa, associações representativas, partidos políticos, calendário eleitoral e Congresso Nacional.
O ideal sorbonista era o de promover, via integração institucional o modelo de civilização realizado pelos países centrais capitalistas. Um regime liberal-democrático precisaria possuir 3 virtudes:
- agilidade nos processos decisórios
- capacidade de garantir ameaças de subversão da ordem
- garantir aos partidos políticos o direito efetivo de se alternarem no poder mediante livre disputa eleitoral

De 46 a 64, a UDN não pode fazer frente aos demais partidos (PSP, PTB e PSD). Assim Castelo Branco promoveu uma série de reformas para corrigir este fato:
- no plano político-partidário: destruir as fontes de alimentação das práticas clientelistas que bloqueavam a alternância no poder. Isto é, fechar as portas do tesouro e dos empregos públicos que o estado cartorial franqueava aos dirigentes do PSP e do PSD.
- no plano econômico: a proposta da reforma agrária, por meio do imposto territorial progressivo. Formação de uma nova pequena burguesia agrária para atingir os currais eleitorais do PSP.
- no plano trabalhista: universalização do direito de acesso aos benefícios proporcionados pelo sistema e unificação administrativa e abolição do conceito de representação classista na gestão dos órgãos assistenciais e previdenciários. Ou seja, alterar toda a estrutura de relação entre os sindicatos e a Previdência Social e o Ministério do Trabalho. Assim, haveria um enfraquecimento do PTB.
O trabalho não era fácil, pois havia muitos setores para serem articulados em prol desses objetivos.
O ato institucional que cassava os direitos políticos de alguns teria período limitado. Castello Branco se recusou a prorrogar a vigência do arbítrio. O presidente valeu-se do tempo que lhe restava à frente do governo para elaborar uma nova CF. Seus dispositivos, mais ajustados ao Estado contemporâneo, evitariam os impasses atribuídos à carta de 46. Houve a nova lei de imprensa (lei de segurança nacional, de março de 67, por exemplo).
A consideração do período CB é determinante para a análise do regime autoritário no Brasil, não só porque nele estão postos quase todos os elementos que, exacerbados em seu grau máximo nos anos seguintes, confirmariam a conjuntura que veio a desaguar na crise de 68, com a edição do AI5. Mas também porque nele já está claramente colocado o dilema que perpassa toda a história desse regime, até nossos dias de cinzenta abertura. O processo político possui outros dois aspectos relevantes: o papel das oposições e as contradições que havia no processo sorbonista.
A oposição continua adotando os mesmos expedientes desde 64, anacrônicos frente a toda a mudança ocorrida. Exemplo é a volta de JK de Paris e seu desfile em carreata, que o fez depor por atitude subversiva.

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