terça-feira, 4 de janeiro de 2011

FIGUEIREDO, Argelina e LIMONGI, Fernando (2007). “Instituições Políticas e Governabilidade. Desempenho do governo e apoio legislativo na democracia brasileira” in MELO, Carlos R. & SAEZ, Manuel A. A democracia brasileira: balanço e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Editora UFMG.

O texto remete a uma análise de duas experiências aparentemente semelhantes no Brasil, em termos de liberdades democráticas: o período de 1946 a 1964 e o pós-1988. Traça-se um panorama dos desdobramentos e conseqüências das constituições federais promulgadas em 1946 e 1988. A principal semelhança pode ser identificada pela manutenção do sistema eleitoral proporcional com lista aberta. Quanto às diferenças, os autores alertam para o fato de a carta magna mais recente, em detrimento da anterior, privilegiar a fragmentação institucional (interesses no jogo político nacional), fortalecer o federalismo através da dotação de autonomia orçamentária e fiscal para os Estados e, principalmente, atribuir um poder mais concentrado no Executivo. Há correntes de pesquisas em Ciência Política que afirmam haver problemas no excesso de força do presidente, pois pode haver imposições e não cooperação entre o poder legislativo e executivo, gerando conflitos institucionais. FIGUEIREDO e LIMONGI, no entanto, discordam. Invariavelmente o regime no Brasil se caracteriza por um governo de coalizão majoritária, em um sistema multipartidário. O executivo possui um forte poder legislativo (não só por conta da maioria na câmara dos deputados, obtida através de alianças, mas também pelo poder de sancionar Medidas Provisórias) e grande influência na proposição da agenda (em coordenação com os líderes partidários e instituições). Assim, o governo trabalha como se houvesse uma fusão entre os poderes executivo, na figura do presidente, e legislativo, representado pelos líderes dos partidos da coalizão.
Ainda que os modelos das duas épocas apresentem similaridades na forma do relacionamento institucional, os dois momentos do presidencialismo demonstram possuir grandes diferenças. A ampliação de poderes do executivo, articulado com líderes partidários da aliança governamental do parlamento, é o principal aspecto que marca essa disparidade.
Em outra oportunidade, FIGUEIREDO e LIMONGI mostram que 89,4% do plenário vota de acordo com a orientação de seu líder. Das leis aprovadas de 88 a 98, 85,2% foram propostas pelo Executivo e a probabilidade de uma proposta do Executivo ser rejeitada em plenário é de 0,026. A fragmentação e falta de apoio legislativo, por sua vez, emperraram a implementação de agenda de José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco.*
Comparando-se as regras que regem o modelo decisório, percebe-se que a Constituição de 1988 concede ao Executivo poderes legislativos mais abrangentes que os existentes em 1946. O caso que mais se destaca é a Medida Provisória, que é exclusiva do presidente e possui vigência imediata à sua publicação. Nesse sentido, ela preserva a união do executivo e dos partidos que compõem a coalizão. Outro aspecto que se salienta é a centralização do Congresso Nacional, ou seja, a ampliação dos direitos dos líderes partidários na Câmara no que diz respeito à determinação da agenda do plenário, conduções das votações e a composição das comissões para analisar MPs e o orçamento. Os líderes também podem representar as bancadas assinando petições em nome de todos os seus membros. Uma característica decorrente deste fato é a importância assumida pela bancada em detrimento de interesses e posicionamentos individuais na câmara.
Observa-se também que o período compreendido entre 1946 e 1964, ainda que os governos possuíssem maioria parlamentar, o índice de sucesso das medidas propostas pelo executivo não chegou à metade. No pós-88, o pior desempenho é atribuído ao governo Collor, que possuía apenas um terço de apoio do congresso, mas ainda assim logrou 65% de êxito. A explicação a este fenômeno pode ser dada pelo controle da agenda do legislativo pelo executivo, através do modelo de coalizão. Segundo os autores do texto “o que muda no país muda por iniciativa do executivo” (pág. 158). Este modus operandi, no entanto, possui uma contradição: este controle é típico de governos parlamentaristas. Em um governo presidencialista, por excelência, a prerrogativa do chefe de Estado é a escolha do ministério enquanto que a do parlamento é a de propor leis. O fenômeno, entretanto, também tem ocorrido mundialmente, os executivos têm obtido poderes legislativos mais abrangentes no que se refere a pontos importantes do plano de atuação do governo.
Uma marca recorrente do pós-88 e notadamente dos governos Itamar Franco e FHC foi a utilização de MPs para implementar as medidas de estabilização econômica do país: “O congresso delegou ao Executivo a direção da economia” (pág. 164). Este subterfúgio foi muito útil, uma vez que permitia ações de rápido estabelecimento, tão necessário no âmbito econômico.

No modelo de coalizão, a obtenção do apoio político e sua manutenção se dão pela distribuição aos partidos políticos de cargos estratégicos no governo, nos ministérios. Quanto maior o potencial de repercussão nacional do trabalho da pasta ministerial, maior seu valor político. Novamente, trata-se de uma característica típica do parlamentarismo, no qual o primeiro ministro realiza essa definição de cargos.

Conclui-se que, apesar de por um lado os partidos políticos no Brasil serem fracos, no que tange a lista aberta e a necessidade de se garantirem por um candidato de peso, por exemplo, são fortes institucionalmente na construção das coalizões e representam atores decisivos no processo legislativo na medida em que encabeçam as bancadas responsáveis por votar as propostas de leis.
As alianças realizadas pelo governo com os partidos da base de apoio permitem que não haja uma paralisia decisória. Além disso, é de se esperar a implementação de todo o programa de governo previsto uma vez que as propostas de leis são majoritariamente feitas pelo executivo e aprovadas em sua grande maioria sem grandes problemas pela Câmara.
Apesar de haver ajustes necessários, os autores do texto acreditam que o modelo de governo existente no Brasil não pode ser considerado ruim. As falhas apontadas por alguns críticos, tal como o excesso de partidos, são questionáveis e comprovadamente contornáveis.

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* LIMONGI, F. e FIGUEIREDO, A. – Bases Institucionais do Presidencialismo de Coalizão – Lua Nova nº 44 – 1998 – págs. 83, 84 e 87.

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